quarta-feira, 16 de novembro de 2011

QUANDO MORRE O NOSSO REI

            Houve um tempo em que os reis eram vistos, admirados e reverenciados como verdadeiras divindades. Com o passar das épocas, é verdade, a figura real foi perdendo um pouco desse status, mas não se pode negar que as pessoas que ainda vivem sob suas ordens de alguma forma se sentem impactadas ao verem o seu rei. Porque vivemos em um país de regime presidencialista não sabemos avaliar o sentimento dos súditos em relação à realeza.
No entanto, mesmo não sujeita a um regime monárquico toda pessoa tem, figurativamente falando, um “rei” que ocupa o trono de sua vida, dirigindo seu comportamento e influenciando direta ou indiretamente suas ações e reações.
A verdade é que mesmo o homem que se julga livre e senhor absoluto de si mesmo, terá de enfrentar um dia a dura realidade de descobrir o verdadeiro soberano e real governante de suas ações, para chegar à conclusão de que não era livre como imaginava ser.
Tal constatação é feita depois que o “rei” deixa de exercer domínio sobre seu vassalo, e uma vez liberto do seu soberano a pessoa sabe avaliar o quanto seu entronizamento em sua mente, sentimento e vontade causou dano no relacionamento familiar, na igreja, no trabalho, nas amizades e em outros ambientes da vida.
            Presente a dificuldade de identificar esses monarcas ao tempo do seu reinado, podemos listar alguns que se mostram comuns aos homens, e isto para possibilitar avaliar ações e reações do dia a dia.
Em primeiro lugar um bem material – dinheiro, casa, carro, jóias -, se apresenta como um rei que exerce grande poder sobre as pessoas. Ao se tornar em objeto de veneração e de desejo supremo da alma, um bem material pode passar a governar os sentimentos e assim levar à destruição os que se colocam sob suas exigências.
Afinal, olhar para ele é contemplar tudo aquilo que o coração mais ama e não possuí-lo implica em perder o próprio motivo de viver.
 Quando isto ocorre o objeto cobiçado pode ser qualificado como um “rei   “, que exige dedicação exclusiva do seu súdito.
O materialismo, é fato, traz muitas dores ao materialista.
Em segundo lugar uma pessoa também pode se apresentar como um “rei” sobre alguém, sobre um grupo familiar ou mesmo sobre um ambiente social mais amplo, com ingerência direta em suas vidas particulares.
Nesse reinado o governado perde toda sua individualidade e privacidade, pois suas idéias, sonhos e vontade se confundem com as idéias, os sonhos e a vontade de quem a governa.
Casos há em que a maneira de falar, de vestir, de fazer gestos se torna tão igual ao do “rei”, que ao se ouvir e ver o governado é possível identificar desde logo o governante.
Estes reis pessoais são frequentes tanto no mundo secular, quanto no mundo religioso, sendo certo que neste último até mesmo questões bem particulares como com quem casar, onde trabalhar, quando viajar, como criar os filhos seguem ordens severas estabelecidas pelo superior.
Em terceiro lugar, por mais estranho que possa parecer, uma decepção também pode exercer poder de governo sobre alguém.
O homem se decepciona no trabalho, com a igreja, com as pessoas. É comum, na questão religiosa, as pessoas se decepcionarem com a doutrina na qual creram.
Esperando encontrar o que não foi legítimo esperar, principalmente no terreno da fé, muitas se revestem de grandes decepções que as afasta do próprio Deus, sem perceber que foram levadas a crer naquilo que nenhum fundamento tem na sua Palavra.
A desilusão é um rei invisível, porém terrível que à semelhança de outros governa para destruir seus governados.
Não é pequeno o número de pessoas escravizadas pela decepção, quando descobrem que por longo tempo foram enganadas por promessas vãs, as quais comprometeram seu tempo, sua dedicação, seus bens e  sua vida na busca de coisa inatingível, quando não, de coisa inexistente.
Em quarto lugar um pecado específico  como: ira, ganância, mágoa, mentira, língua maldizente também se apresenta como um rei a ditar o comportamento de quem o acolhe no coração.
Sob a batuta destes reis a pessoa não consegue olhar os outros de maneira límpida, amorosa, desinteressada, menos ainda receptiva, pois seu “rei” exige um outro tipo de conduta e de olhar em relação ao seu semelhante.
Paulo exorta: não reine, portanto, o pecado em vosso corpo mortal, de maneira que obedeçais as suas paixões (Rm 6.12).
A lista de reis a governar as pessoas poderia ser aumentada, mas a enumeração feita parece suficiente para o propósito de servir de estímulo à reflexão.
Passemos agora ao exame de uma história bíblica referente a um homem e seu rei para dela se tirar lições.
Esse homem é Isaías, o grande profeta messiânico do Antigo Testamento, o qual passou pela experiência pessoal de se ver liberto do seu rei.
Uzias é o nome desse rei, e foi um destacado governante de Judá, que após realizar boas coisas para o povo de Deus, morreu no ano 740 aC ( II Cr 26:16-21).
Foi no período final do seu reinado que Isaías começou seu ministério profético vivendo, segundo os estudiosos, dentro da própria corte ou muito próximo dela.
Talvez seja esta sua proximidade e envolvimento com o rei que fez com que o profeta não enxergasse mais ninguém, nem mesmo o próprio Deus, a não ser Uzias por todo o tempo em que com ele teve relacionamento estreito.
De alguma forma a história de Isaías estava repleta da presença e da figura do rei Uzias, da mesma forma como a história de tantas pessoas está repleta do “rei que a governa, seja ele um bem material, uma pessoa, um pecado, uma decepção, etc.
Mas, como é próprio de todo rei humano um dia o rei Uzias morreu. E foi exatamente no ano da sua morte que Isaías teve a melhor e mais especial experiência de sua vida.
Isaias relata: no ano que morreu o rei Uzias, eu vi o Senhor (Isa 6.1) e desta sua experiência singular se extrai lições .
1ª. - A primeira lição tem caráter exortativo.
Podemos claramente entender da afirmativa do profeta que antes da morte de Uzias, porque seus olhos estavam totalmente fixados nesse rei e com ele envolvidos, Isaias não podia ver a Deus.
Enquanto Uzias vivia, e enquanto o profeta vivia com ele e para ele, e por todos os lados que ele olhava só enxergava a figura real.
O rei que habitava o palácio também “habitava” o coração do profeta e preenchia toda sua mente.
É claro que o rei Uzias era infinitamente menor do que Deus, o Senhor da glória, mas mesmo assim ele impediu, por longo tempo, o profeta de ver a Deus. E este impedimento tem como base o fato de se encontrar muito próximo de Isaias.
Uma moeda de 10 centavos colocada perto dos olhos, ainda que seja bilhões de vezes menor do que o sol, impede de ver a estrela de maior grandeza que ilumina toda a terra.
Uzias, o rei menor obstacularizava a visão do profeta para que visse Deus, o rei maior.
Isto quer dizer que tudo aquilo que se coloca muito próxima de nosso coração, sobre ele exercendo poder impacta, preenche e domina nossa alma e de alguma forma vai impedir-nos de ver outras coisas.
O alerta, neste caso, é que sejamos cuidadosos e não tenhamos nossa visão ofuscada para as coisas maiores e mais excelentes que estão adiante de nós.
2ª. - A segunda lição tem uma proposta instrutiva e educativa pois ensina que somente depois que o rei Uzias morre é que Isaias tem os olhos abertos, livres e desembaraçados para ver o Deus da glória.
Quando o profeta fica sem rei na terra, o que ocorre depois da morte de Uzias, seus olhos estão desimpedidos para ver o rei dos céus, ou seja, o Senhor da glória.
Isaias diz: no ano que morreu o rei Uzias, eu vi o Senhor. Ou seja, foi no ano da morte do rei Uzias e não antes dela ocorrer, foi que ele viu o Senhor.
Embora aquele ano tenha sido marcante pela morte de Uzias, pois era um rei que o influenciou muito, não foi, todavia, um ano traumático para o profeta. E não foi um ano ruim porque tendo perdido o rei que ele amava, o profeta acabou vendo o rei que o amava, a saber, Deus.
Isaias amava Uzias, o rei de Judá, mas Deus, o rei da glória, amava Isaias.
É fato que os reis aos quais amamos – casa, dinheiro, pessoa, sucesso, etc., não nos amam pois não têm capacidade em si mesmos para amar-nos, sendo certo que o único rei que não amamos, é exatamente aquele que nos ama, a saber, Deus.
É interessante observar do relato do profeta que ele não disse que o Senhor lhe apareceu no ano da morte do rei Uzias, mas sim, que ele viu o Senhor naquele ano.
 Isto em princípio transmite a idéia de que Deus esteve sempre disponível ao conhecimento do profeta, mas o profeta por seu notável envolvimento com Uzias, não esteve disponível para ver a Deus.
Somente depois da morte de Uzias é que Isaias tem, de alguma forma, disposição para ver a Deus.
Tendo visto a Deus no ano que morreu o seu rei, Isaias teve este tempo marcado positivamente de modo que se tornou um ano que ele jamais esqueceu.
Com a morte de seu rei Isaias aprendeu como até mesmo coisas lícitas da terra podem roubar anos de ignorância em relação a Deus.
Por muitos anos Isaias viveu sem ver a Deus, porque nesse tempo via somente a Uzias.
Desta forma, Isaias nos ensina que o tempo em que alguém conhece a Deus se torna o melhor ano de sua existência, transformando-se num marco de grande importância em sua existência.
3ª. - A terceira e última lição tem um caráter constatativo, pois deixa evidente a certeza de que somente com o desembaraçar dos olhos é que o Deus que existe, passa a existir para Isaias.
            Por todo o tempo em que o rei Uzias reinou em Judá um fato é incontestável: Deus estava nos céus, sentado em seu trono de glória, e os serafins proclamando a verdade eterna: santo, santo, santo é o Senhor dos exércitos.
            No entanto, Deus existir e Deus existir para você são duas coisas diferentes.
Foi no ano da morte de Uzias, quando este rei deixou de existir para Isaías foi que Deus passou a existir para o profeta, não obstante Deus existisse desde sempre e por todo o sempre.
Foi no tempo em que Deus passou a ser real para Isaias, que Ele passou também a ser o seu rei, de modo que desde então o profeta consagrou-Lhe a vida.
Na verdade, ninguém pode consagrar a vida a algo desconhecido, de modo que ninguém pode devotar-se a Deus sem que primeiramente o conheça.
Estas três lições da experiência de Isaias - de caráter exortativo, instrutivo e constatativo - têm grande valia.
Num primeiro momento podemos aprender que independentemente de quem seja o nosso rei – um bem material, uma pessoa, um pecado, uma decepção, etc.  enquanto ele reina sobre nós nossa capacidade de ver a Deus fica prejudicada.  
Também nos ensina a experiência de Isaias, que somente a morte ou o desaparecimento do nosso rei é que nos dá condições de ver a Deus.
Por último, ver ou conhecer a Deus é uma possibilidade dada a qualquer pessoa, da mesma forma que foi dada a Isaias.
Conclusão.
 A Bíblia apresenta Jesus Cristo como o Rei dos reis, e faz isto porque ele se tornou Rei sobre tudo e todos quando pela ressurreição venceu o pecado, a morte e o império das trevas.
            E Cristo é um Rei que reinando sob a bandeira da verdade e do amor é capaz de oferecer aos seus súditos os benefícios indizíveis do seu reinado.
Pois, é na esfera do reinado de Cristo que o homem experimenta a lei perfeita que restaura a alma (Sl 19.7), a qual é capaz de curar as feridas causadas pelos reis que governaram antes dEle; é no âmbito do Seu reinado que o homem dispõe de preceitos retos que alegram o coração (Sl 19...), os quais afastarão a tristeza que consumiu boa parte dos dias vividos sob o domínio do rei precedente e, é no contexto do Seu reinado que o homem encontra os mandamentos límpidos que iluminam os olhos (Sl..19.7), para retirá-lo do caminho da escuridão.
Assim, no ano que se der o seu encontro pessoal com Cristo, ocasião em que Ele passará a reinar sobre sua vida, destronando de seu coração todos os reis que escravizaram e subjugaram sua alma a um procedimento pecaminoso e destrutivo, alegremente você poderá dizer como Isaias: “no ano em que morreu o meu rei eu vi o Senhor.”
            Que seja este o ano de sua experiência de ver a Deus revelado na pessoa de Jesus Cristo.

            Lutero de Paiva Pereira

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