A igreja se tornar num “curral” repleto de “mulas” não
é ficção religiosa, mas uma realidade que está bem mais próxima de nós do que as
vezes conseguimos perceber.
Ao tempo do Antigo Testamento Deus usou uma mula para
falar com um profeta, a saber, Balaão, é verdade, mas este fato inédito nem de
perto quer dizer que Deus deseja que os crentes sejam mulas para estarem a Seu
serviço. Pelo contrário, a orientação expressa de Deus é que os crentes não sejam
iguais a mula, pois se procederem como tal não poderão servi-Lo adequadamente.
Ainda que Deus possa fazer todas as coisas, o que o
crente não duvida, parece mais fácil Deus fazer uma mula que não é crente falar
uma verdade, como aconteceu no episódio com Balão, do que um crente mula falar
com entendimento.
Daí a razão de Deus não desejar que os crentes se
pareçam com a mula, pois se agem como tal não podem glorificá-Lo.
O irracional para falar como racional requer, se
tanto, somente uma articulação de sons diferente daquela que é própria de sua
natureza, numa alteração simples de sua mecanicidade original. Já o racional
falar com entendimento é coisa mais séria, pois exige mais do que articulação
de sons, é preciso o uso adequado e correto da capacidade de pensar, de raciocinar
o que, em lhe faltando, o deixa imprestável para comunicar corretamente a
verdade.
E para falar a Palavra de Deus o crente precisa ter
mais do que uma boa intelectualidade, mais do que uma bela oratória, ele precisa
ter entendimento sobre a própria Verdade, coisa que ao homem não é natural mas adquirida à medida que medita na Palavra de Deus.
A base bíblica a sustentar a idéia de que Deus não
quer que os crentes sejam como a mula está no verso 9, do capítulo 32 do livro
dos Salmos, onde Deus fala direta e objetivamente através do salmista:
Não sejais
como o cavalo, nem como a mula, que não têm entendimento, cuja boca precisa de
cabresto e freio para que não se cheguem a ti.
Este verso permite boas reflexões.
Primeiramente dele se pode deduzir que é sim possível
ao crente ser igual a mula.
Se Deus disse através do salmista: não sejais como a mula, é porque o homem
pode se tornar, em termos de comportamento, semelhante ao referido animal.
Quando Deus diz: não
sejais como é porque o crente pode ser como, isto é, igual a, pois se não houvesse esta
possibilidade Deus obviamente não faria tal observação.
Portanto, é plenamente sustentável a afirmativa de que
o crente pode sim ser igual a mula.
Em segundo lugar, do verso se conclui que Deus não
deseja que o crente seja igual a mula.
Se é possível ao crente ser igual a mula, e não há
como negar que possa se parecer com ela, visto que se não pudesse a ela se
assemelhar Deus não o exortaria a não se parecer com o animal, por outro lado
está claro que Deus não deseja que o
crente se pareça com o quadrúpede.
A mesma afirmativa de Deus – não sejais como a mula – que aponta para o fato de que o crente
pode ser parecido com o animal, revela também que Deus não deseja que o crente se pareça com o animal.
Fica certo, portanto, que Deus deseja que o crente
seja diferente da mula.
Em terceiro lugar do verso se depreende que o que
diferencia um do outro, ou seja, o que torna o crente diferente da mula é o
entendimento.
No verso 9 onde está implícito que o crente pode ser
igual a mula está explícito que Deus deseja que ele seja diferente dela, e ali
mesmo Deus indica o ponto que diferencia um do outro, o qual faltando torna
ambos iguais, e o ponto em questão é o entendimento.
Deus diz: Não sejais como a mula, que não tem entendimento.
Ao não ter entendimento o
crente se torna igual a mula, e ao adquiri-lo ele se diferencia dela.
A única coisa, portanto, que
pode dar ao crente um comportamento diferente da mula, no caso, é o entendimento, de modo que aquele que se
assemelha a mula age sempre sem entendimento, e o que dela se mostra diferente,
com entendimento se comporta.
Portanto, para o crente não ser
igual a mula ele precisa buscar entendimento.
Em quarto lugar fica patente
que a falta de entendimento põe em risco tanto a mula, quanto o crente que a
ela se assemelha, pois ao não agir com entendimento o perigo se avizinha cada
vez mais.
Sem entendimento, sem poder
discernir os perigos, as armadilhas, sem poder pensar e raciocinar corretamente
sobre o que fazer e o que não fazer, a mula se põe em desabalada carreira e
precisa de freios na boca e cabresto na
cara para ser conduzida pelo seu dono, salvando-a dos grandes desastres.
O crente mula, ou seja, o
crente sem entendimento, anda pelo caminho do erro, tem comportamento
tresloucado, pensa desarticuladamente, age mais por instituto do que pelo
raciocínio, e por isto está sempre próximo do perigo.
O povo de Israel teve
comportamento de mula, e sua experiência de agir sem entendimento foi grandemente
dolorida e serve de exemplo para o crente de hoje.
A ida do povo de Israel ao
cativeiro tem como causa o seu comportamento muar, ou seja, o ter
vivido como mula, isto é, sem entendimento.
Através do profeta Deus faz
esta constatação: Portanto o meu povo será levado cativo, por falta de entendimento (Isa 5.13).
Ao não ter entendimento, e
não o teve porque se afastou de Deus e de Sua Palavra, o povo de Israel correu
em direção ao cativeiro, mesmo pensando que estava indo em direção contrária.
A falta de entendimento faz
isto com o crente, ou seja, rouba-lhe a capacidade de perceber para qual
direção está se encaminhando, e como não sabe para onde vai pode andar por
caminhos cujo início são caminhos que
parecem de vida, mas o fim deles é a morte (Pv 14.12).
Já a própria destruição do povo
de Israel é debitada em sua conta por Deus como sendo causada pela falta de
conhecimento, isto é, de entendimento no agir: O meu
povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento (Os 4.6).
Portanto, tanto na mula,
quanto no crente, a falta de entendimento é causa de cativeiro e de destruição.
Em quinto lugar é preciso
tratar da fonte de entendimento disponível ao crente.
O salmista expressamente declara: Pelos teus mandamentos
alcancei entendimento (Sl 119.104).
A Lei do Senhor, para o
salmista, era a fonte de entendimento. Guardar a lei no coração lhe assegurava
entendimento mais que suficiente para viver como alguém que sabia discernir as
coisas, e não como a mula que anda irresponsavelmente em toda a sua conduta,
correndo risco de ser presa fácil e de ser destruída pelos perigos que estão a
sua frente.
O crente sabe que a Palavra
de Deus dá sabedoria aos simples ( Sl
19.7), e que fora dela não é possível ter o entendimento necessário para evitar
o cativeiro e, por fim, a destruição.
O problema muitas vezes é
que o crente nem sempre está disposto a meditar na Palavra que dá sabedoria.
Não se estribe no teu próprio entendimento (Pv 3.5), advertiu o sábio,
mas busque entendimento em Deus e em Sua Palavra, para que o comportamento
sábio apareça. Ademais, vale observar que no chamado mundo religioso a
possibilidade de ser enganado por falta de entendimento é bem mais séria do que
as vezes se imagina.
Conclusão.
O pregador, o grande
responsável por ajudar o crente a diferenciar-se da mula, deve ser alguém que
estimule a igreja conhecer a Escritura, a meditar nela, a ir à fonte do pleno
entendimento, e isto para que tenha uma vida pautada pelo entendimento que vem
da verdade.
O pregador, para agir assim,
precisa ele mesmo ser um dedicado conhecedor da Escritura, evidenciando em sua
pregação o entendimento que a Palavra comunica aos que nela meditam de dia e de noite (Sl 1.2).
O pregador, para cumprir
este seu mister, deve expor a Escritura sempre e para bom entendimento dos
ouvintes, levando-os ao pleno conhecimento da verdade, pois se assim não o faz
corre o risco de transformar a igreja num curral cheio de mula.
Portanto, o alerta de Deus para cada um dos seus filhos é: não sejais como a mula, que não tem entendimento.
Portanto, o alerta de Deus para cada um dos seus filhos é: não sejais como a mula, que não tem entendimento.
Lutero de Paiva Pereira