Não é comum ouvir pregação que fale bem
de Marta, pois em regra quando os pregadores falam bem de Maria normalmente o
fazem à custa de severas críticas a sua irmã, normalmente valendo-se do
episódio registrado em Lucas 10.
Para dar certa equilibrada na observação
que fazem sobre ambas as irmãs é preciso levantar certa defesa em favor de
Marta. Não obstante, desde logo deva ser dito que nem Marta e nem sua irmã Maria
devem ser tomadas como padrão de conduta para ninguém, pois nada mais
representam do que dois tipos diferentes de pessoas que cabem no mundo e,
notadamente, na igreja o tempo todo.
Afinal, uma igreja cheia de gente quieta e assentada como é próprio de Maria não leva a nada e a lugar nenhum, do mesmo
modo que uma igreja composta somente de gente ativa e agitada como Marta
também não. Melhor é o grupo onde Marias e Martas têm espaço e oportunidade
para agirem segundo seus dons e talentos.
Jesus não tinha um amor especial para
com Maria por sua disposição de ficar assentada aos Seus pés, nem uma aversão
por Marta não se assentar ali. Pelo contrário, Jesus amava indistintamente a
ambas e ao grupo familiar composto de três pessoas como o evangelista
registrou: Ora, Jesus amava a Marta, e a
sua irmã, e a Lázaro (Jo 11.5).
É fato que num certo dia quando Jesus
esteve em sua casa Marta, como prestativa que era, ficou empolgada em receber o
Mestre e começou a fazer várias coisas. Em contrapartida, sua irmã não fazia
nada, mas somente assentada aos pés de Jesus ouvia suas palavras. Isto
incomodou a Marta que pediu a Jesus que dissesse a Maria que se levantasse e
fizesse uma coisa junto com ela. A esse pedido Jesus respondeu: Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com
muitas coisas, mas uma só é necessária E Maria
escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada (Lc
10.41-42).
Maria
escolheu a boa parte de ouvir e não a “boa” atitude de se assentar, pois para
ouvir nem sempre assentar-se é necessário.
Com esse
texto em mente os pregadores ficam advogando a tese de que Maria se tornou um padrão a
ser seguido, de pessoa não ansiosa que fica assentada para ouvir Jesus
falar sempre e durante muito tempo, de modo que todos devem ser assim.
Será?
Certamente
Jesus não estava dizendo com tais palavras que essa cena de Maria assentada aos
seus pés deveria ser a atitude que todos os crentes deveriam adotar como
padrão de vida, o que pode ser facilmente compreendido quando em outro momento
essa mesma atitude de Maria de permanecer assentada não mereceu dEle nenhuma
observação favorável ou honrosa.
Esse outro momento quando vemos Maria
assentada e Marta em pé acontece quando Jesus vai à casa delas para ressuscitar
seu irmão Lázaro.
João escreve que quando Marta ficou sabendo que Jesus estava indo a sua
casa, imediatamente ela saiu correndo ao seu encontro enquanto Maria continuou em
casa assentada: Ouvindo,
pois, Marta que Jesus vinha, saiu-lhe ao encontro; Maria, porém, ficou assentada
em casa (Jo 11.20).
Ora, nesse momento Jesus não disse a Marta que
Maria escolheu a melhor parte ficando em casa assentada, porque em Sua ótica
ficar assentado não era em si mesmo virtude alguma, mesmo porque muitas vezes o
que a situação recomenda é exatamente o contrário, ou seja, levantar e sair
correndo.
Parece
que Maria, talvez por questão de temperamento, era do tipo de pessoa gostava mesmo de ficar
assentada e quietada, pois em dois momentos diferentes essa foi sua atitude.
Temos,
portanto, duas situações onde as mesmas mulheres têm as mesmas atitudes em
relação a Jesus, e nenhuma delas é eleita por Jesus como sendo ideal, pois se
fosse para Jesus eleger o estar assentado como a melhor atitude do crente, no
quadro em que trata da ressurreição de Lázaro ele teria dito para Marta que
Maria escolheu a melhor atitude ao continuar assentada em casa. No entanto,
Jesus não fez assim.
Isto leva
a pensar que ao menos na ótica de Jesus Marta é tão importante quanto Maria, do
mesmo modo que assentar-se ou levantar-se também o é.
Deixemos
agora de analisar a historia dessas duas irmãs e voltemos a atenção para o
grupo de discípulos, pois ali também se aprende sobre o quieto e o inquieto ou,
como queiram, o ansioso e o não ansioso.
Entre os
discípulos existia aquele que era bem calmo, tranquilo, não ansioso, que vivia
bem próximo de Jesus a ponto de na ceia se encontrar com a cabeça no Seu ombro,
a saber, João. Por outro lado, existia também aquele discípulo agitado, ansioso,
que corria de um lado para o outro, que uma vez até saiu correndo ao encontro
de Jesus na praia deixando sua roupa para tras, tamanha a ansiedade de se
encontrar com o Mestre, a saber, Pedro.
Com todo
respeito João, o sossegado, era a versão Maria e Pedro, o ansioso, a versão
Marta.
Ambos os
discípulos, no entanto, tiveram grande importância no contexto do Reino de
Deus, o primeiro com a missão nobre de escrever o evangelho que apresentou
Jesus como Deus, e o segundo com a missão gloriosa de abrir o Reino de Deus aos
gentios, pois a ele foram dadas as chaves do reino.
Os dois
discípulos, cada um com sua importância, têm lugar no Reino do modo como são,
do mesmo modo que Marta e Maria.
Portanto,
que as Martas que existem dentro da igreja não queiram ser Marias e nem as
Marias queiram ser Martas, e que os pregadores, por sua vez, parem de louvar
uma e criticar a outra numa perigosa empreitada de querer padronizar o rebanho.
Que as Marias saibam que têm hora que devem se
levantar, como no caso ressurreição de Lázaro e que as Martas entendam que têm
hora que devem se assentar, como quando Jesus visitou a casa daquela família.
A sabedoria consiste em saber o momento certo para
ter uma ou outra atitude, mas nunca para ser uma ou outra pessoa, pois ninguém é
padrão absoluto dentro do Reino de Deus.
Lutero
de Paiva Pereira