É normal
gostar do anormal? Normalmente não o é, mas ultimamente parece ser. O bizarro,
esquisito, extravagante tem sido o prato predileto de muitos, de modo que quando
tudo está normal o prazer é pouco ou nenhum, já que somente o estranho agrada os
sentidos.
Através da televisão
o telespectador tem acentuado seu apreço pelo anormal, pois os programas de audiência
são aqueles que tratam e retratam o mundo extravagante de pessoas e animais.
O prazer pelo bizarro extrapola todos os
campos e chega ao próprio mundo da religião.
No mundo tantas
vezes alienado da religião, as missões chamadas de evangelizadoras seguem a
mesma sina da televisão, e alimentam a bizarrice dos que lhe emprestam atenção.
Atualmente a
missão tida como de valor, muitos entendem assim, deve ter como alvo o homem ou
mulher que pode ser considerado exceção à espécie humana, relegando ao segundo
plano o cidadão comum ou, como queiram, normal.
Assim, tornou-se
propósito da evangelização o homem diferente, o homem estranho, o homem não
convencional em razão de uma particularidade que carrega a qualquer título.
Criando
subgrupos cada vez mais específicos dentro da espécie humana, as missões se
dirigem focadas num público seleto que possa despertar uma emoção diferente
naqueles que ouvem algo a seu respeito.
Deste modo, não
pode mais causar estranheza a aparição de missões especializadas em alcançar
pessoas cujos tipos nem sonhávamos existir em número suficiente para justificar
um trabalho específico em sua direção.
Neste caso, é
possível que em breve surjam missionários especializados em evangelizar gagos,
os quais serão tidos como uma população excluída que não é ouvida por
ninguém.
Não faltará
estatística para dizer que 17,38% dos habitantes da terra são gagos não
alcançados.
Como se
classifica uma pessoa como gago? Qual o parâmetro adotado para enquadrá-la nessa
categoria? Ninguém sabe.
Mas o que se
afirma é que 17,38% dos habitantes do planeta são gagos e precisam de
missionários que fafa,fafa,fafalem a sua linguagem.
O missionário
para o gago, obviamente, terá que gaguejar.
Existirão também
as missionárias especializadas em mulheres com joanete.
Elas,
segundo senso de 2012, são 6,39% da população feminina do Brasil. Portanto, é
preciso arrecadar fundos para ir atrás destas pobres coitadas que “sofrem” com
seu complexo.
Como
conseguiram mensurar esse número?
Novamente ninguém
sabe.
Talvez
consultaram podólogos, pedicures e outros profissionais que trabalham com os
pés, e partir de suas fichas de clientes puderam fazer esse levantamento.
O que não
dizer dos missionários que têm como alvo pessoas que têm pé chato, e que
correspondem a 11,39% da população masculina.
Nem precisa
dizer que este levantamento também não tem base segura de verificação.
Por suporem
que tais pessoas são socialmente excluídos e, portanto, padecem grande
sofrimento de alma, além do cansaço físico que o pé chato ocasiona, os
missionários se especializaram neste nicho, saindo correndo a procura deles. E
se os missionários estão correndo ao seu encalce o pé chato deles não permitirá
ir longe até serem “abatidos”.
Identificar
uma pessoa de pé-chato simplesmente olhando para o seu rosto parece coisa difícil,
mas vale a pena ir atrás dela para pescar ao menos um.
E quando
esses missionários do bizarro tiverem êxito em sua missão, é possível que tragam
gravados testemunhos dos “evangelizados”, depoimentos que o homem minimamente
inteligente desconfiará da ausência da verdadeira conversão.
A mulher de
joanete dirá que agora está feliz porque se sente livre para andar descalça na
praia sem o complexo que outrora a fazia usar botas na areia; o de pé chato não
economizará palavras para dizer que agora seu fôlego é outro. Restará o
testemunho do gago. Bem, como o gago
continua do mesmo jeito ninguém tem paciência de ouvir suas palavras repetidas
de forma incontida por todo o tempo da gravação.
Infelizmente
é assim que caminha boa parte da humanidade religiosa, onde o anormal é o normal.
Se a pessoa
normal não se enquadrar num grupo de anormais, é possível que nenhum
missionário tenha prazer de ir ao seu encontro, nem a agência missionária
disposição de arrecadar fundos para fazer missão em sua direção, pois ninguém
mais se interessa pelo homem comum.
E para que a
missão seja ainda mais interessante e desperte interesse nas pessoas de
contribuir financeiramente para seu sucesso, é preciso que ela aconteça bem
longe e, se possível, até mesmo noutro continente. Assim, os gagos alcançáveis devem
ser do Azerbajão, as mulheres de joanete da Mongólia e os homens de pés chato
da Malásia, pois se eles estiverem na própria cidade não tem graça alguma fazer
missão ali.
Precisamos
aprender que o evangelho é para todos os povos, tribos línguas e nações, e não
para uma espécie especial dentro da espécie geral chamada raça humana. E ainda,
que homens e mulheres que estão próximos de nós, mesmo não tendo nenhum
“adjetivo” que os distingam dos demais, estes também precisam ouvir o evangelho.
Façamos,
pois, missão, mas não a missão bizarra. E ao fazer missão tenhamos o cuidado de
levar o evangelho e não mais do que isto ao ouvinte, pois o que ele precisa
saber é de que sua reconciliação com Deus somente é possível através de Jesus Cristo.
Lutero Paiva
Pereira