quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

ÔNIBUS DA GRAÇA


Dignidade é o conjunto dos valores que uma pessoa possui, os quais norteiam seu comportamento e apontam para sua reputação. É em razão de sua dignidade que uma pessoa merece ser tratada positivamente, sendo honrada ou, negativamente, não o sendo.
No capítulo 8, do evangelho de Mateus vemos relatado o encontro de certo centurião da guarda romana com Jesus, quando a questão da dignidade toma destaque na conversa.
Com seu criado passando por grande sofrimento, o centurião que já havia procurado solução noutras fontes vê em Jesus uma possibilidade de cura.
Este encontro acontece na cidade de Cafarnaum onde o centurião mora. Tão logo ele se encontra com Jesus a notícia lhe é dada: Senhor, o meu criado jaz em casa, paralítico, e violentamente atormentado (v.6).
Com tal informação ele espera que Jesus lhe traga socorro.
E qual não é seu espanto quando imediatamente Jesus se dispõe a ir a sua casa para o curar o rapaz: Eu irei, e lhe darei saúde (v.7).
Surpreso com a prontidão de Jesus um sentimento estranho toma conta daquele homem. Ele, então, replica: Senhor, não sou digno de que entres em minha casa (v.8).
Mesmo precisando da ajuda que Jesus lhe oferece, o centurião se sente indigno ou desprovido de valores suficientes para receber em sua casa essa  pessoa tão importante, do qual certamente já tinha ouvido falar muitas vezes em razão dos seus nobres feitos.
Se fosse outra pessoa que se prontificasse a ir lá  para curar seu criado, o centurião não se sentiria indigno de recebê-la. Porém, ao se tratar da visita do Filho de Deus tudo para ele era diferente.
O centurião reage dizendo que não é digno de Jesus ir e entrar em sua casa, não porque sua casa fosse humilde ou simples demais para receber alguém assim. Na verdade, a indignidade que ele vê para receber tal visita está nele mesmo e não no lugar onde mora.
Com efeito, ainda que possuísse a melhor casa de Cafarnaum, a casa mais destacada da cidade, mesmo assim o centurião continuaria a achar-se indigno de receber aquele que era o Verbo que se fez carne, e que habitou entre nós cheio de graça e de verdade (Jo 1.14).
Esta era a identidade real de Jesus – O Verbo eterno. Ou seja, Jesus era Deus. E porque Ele era Deus é que o centurião viu-se indigno de recebê-Lo em casa.
Logicamente que a indignidade que o centurião via em si para receber Jesus tinha a ver com a dignidade que ele via em Jesus, de modo que comparando-se com Ele não havia porque aquele homem não se sentir assim tão desprovido de valores em face da visita anunciada.
Eis um quadro bastante interessante. Jesus, o Deus encarnado, disposto a abençoar um homem que, no entanto, mesmo necessitado de Sua ajuda se sente indigno de que Ele  vá a sua casa para lhe oferecer o bem-estar que tanto deseja obter.
Desse episódio onde a dignidade do Filho de Deus é referência mais que suficiente para evidenciar a indignidade de um homem, é que tomamos lições para a evangelização.
Evangelizar é o ato de demonstrar aos pecadores que Deus os salva não por seus méritos pessoais, nem porque são merecedores de tal atenção divina, mas porque Deus os ama a ponto de salvá-los mesmo sendo pessoas indignas da salvação.
Afinal, ao tempo em que a pessoa conhece o evangelho, e o evangelho nada mais é do que a pessoa de Jesus Cristo, o mesmo que levou o centurião a sentir-se indigno de recebê-Lo em sua casa, é neste momento que o pecador tem clareza suficiente para ver sua indignidade de  se tornar participante do Reino de Deus. Não obstante isto, Deus graciosamente lhe ofereça tal oportunidade.
Quando o apóstolo Paulo diz que o amor de Cristo nos constrange (2 Co 5.14), com tais palavras ele quer dizer que esse amor nos incomoda ou no coloca numa situação um tanto quanto incômoda, pois ao tempo em que nos faz ver como não merecedores do amor, é no exato momento em que demonstra que somos amados por Deus.
Imerso em pecado e vivendo sob os preceitos do império das trevas todo homem está destituído de dignidade ou de valores que o faça merecer alguma ação salvadora de Deus e, no entanto, Deus o salva.
Com efeito, a Bíblia mesmo afirma que todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus (Rm 3.23), e é justamente nesta condição de destituídos da glória de Deus e que os homens são visitados por Deus através do evangelho.
Estar destituído da glória de Deus é o mesmo que estar desprovido de qualquer valor sublime, é estar zerado em termos de honradez.
Deste modo, não há mérito no homem para ser salvo, e se o é tal bênção decorre exclusivamente da bondade de Deus demonstrada em seu favor através de Jesus Cristo, ação esta que a Bíblia chama de graça.
Todo pecador que desejar se reconciliar com Deus deverá ter a mesma atitude que o filho pródigo teve quando voltou para casa, depois de ter saído de lá e passado anos longe do lar.
Ao pretender regressar em estado moral e físico deplorável, vendo-se incapacitado de melhorar seu traje e de limpar-se adequadamente de toda impureza para chegar na casa do pai com boa aparência, maltrapilho e mal cheiroso o rapaz tem a seguinte disposição no coração para dizer ao pai: Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho (Lc 15.21).
Vendo-se naquela condição rejeitável ele não via dignidade alguma em si para ser recebido pelo pai, menos ainda para ser considerado seu filho, sendo que o máximo esperava é que o pai o tratasse como um empregado.
No entanto, a história nos mostra que mesmo sendo indigno de ser recebido como filho o pai o acolhe como tal e até faz uma festa para comemorar seu retorno para casa.
Embora ninguém seja digno de ser feito filho de Deus, o evangelho do qual Paulo dizia não se envergonhar (Rm 1.16) tem o poder de transformar um homem ou uma mulher indigno em uma nova criatura, com dignidade suficiente para chamar Deus de Pai e herdar a vida eterna.
Nova criatura no sentido bíblico é a pessoa para qual as coisas antigas já passaram, eis que tudo se fez novo (2 Co 5.17).
Para o filho pródigo que foi recebido em casa pelo pai a partir daquele momento para ele as coisas antigas passaram e tudo se fez novo, inclusive um novo estilo de vida.
Mas a Bíblia tem registros também sobre pessoas que se julgavam mais santas do que as outras, as quais pensando elevadamente sobre si mesmas não viam nenhuma indignidade em seus corações. Tal era o caso dos fariseus.
Os fariseus que se achavam dignos e merecedores de algum benefício divino por suas obras ouvem de Jesus o seguinte alerta: Em verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes entram adiante de vós no reino de Deus (Mt 21.31).
Ao colocar uma prostituta com o privilégio de entrar no reino de Deus muito antes dos fariseus, Jesus quer lhes fazer entender o poder da graça divina.
Afinal, em qualquer cultura ou sociedade a meretriz é uma pessoa sem dignidade, uma pessoa vista por todos como alguém sem valor algum, e são justamente pessoas desse nível, mulheres achadas em estado moral tão deplorável, é que entrariam no reino de Deus primeiro do que os presunçosos religiosos fariseus.

As meretrizes entrariam por primeiro no Reino não porque eram meretrizes, mas porque sendo meretrizes viam-se indignas e sem direito algum de participar do Reino. E sentindo-se assim tão indignas não relutariam um minuto sequer em agarrar-se a graça  para serem transportadas das trevas para a luz, da impureza para pureza, do pecado para a santidade.
Os fariseus, por sua vez, sentindo-se merecedores do Reino porque se julgavam bons o suficiente para dispensaram a ação da graça, não percebendo que os óculos do autoengano os fazia ver uma imagem sobre si mesmos diferente da própria realidade, relutariam em busca socorro em Cristo.
Infelizmente tais óculos têm o defeito de distorcer a imagem para a qual olhamos, de modo que olhando para nós nos vemos retos, e olhando para os outros os vemos tortos.
Ludibriados pelo conceito elevado que nutriam em seu favor os fariseus não queriam embarcar no “ônibus da graça”, o único “veículo” habilitado por Deus para transportar prostitutas e outros pecadores arrependidos para junto do Seu Reino.
A graça é esse “ônibus” da bondade divina que passa pelas ruas das cidades com suas portas abertas convidando todos para embarcar, tendo como única exigência de acesso que o passageiro apresente o “bilhete” do arrependimento.
Arrependimento consiste no fato de ver-se indigno de se tornar um cidadão celestial quando por Cristo é convidado a tomar assento ali.
Essa exigência para o “embarque” é que faz com que algumas pessoas entrem enquanto outras não, e os que se recusam a embarcar continuam a esperar por outra “condução” que leve em conta seus valores, sua dignidade e seus méritos pessoais, de modo que não precisam se arrepender de nada.
O lamentável é que quando passa a outra “condução” os que nela embarcam não têm como destino último o Reino dos céus.
Como é incrível e paradoxal pensar que o reino de Deus, sendo um reino santo, tem sido habitado primeiramente por pessoas que os homens não teriam coragem de chamar para entrar em suas próprias casas, a saber, prostitutas, ao passo que Deus as convida para viverem para sempre na Sua.
E quando o pecador subir e ao assentar-se ver ao seu lado uma pecadora totalmente desprovida de valores como, por exemplo, uma ex-prostituta, saiba que ambos, ele e ela, estão ali porque este é o “ônibus da graça” e não das obras ou dos méritos humanos.
Ao desejar ser transportado do império das trevas para o reino do Filho do seu amor (Cl 1.13), é preciso que o pecador tome o “ônibus” certo.
Assim, quando você ouvir que o “ônibus da graça” se aproxima para transportá-lo das trevas para a luz, de uma vida sem Deus para uma vida de comunhão com Ele, sua atitude deverá se assemelhar ao do centurião e dizer: Senhor, não sou digno de que entres em minha casa ou, conforme o caso, conforme disse o filho pródigo, Pai, não sou digno de ser chamado teu filho.
Se fizer assim as portas do “ônibus” lhe serão abertas, e embarcando você será transportado para o reino que  o apóstolo Paulo diz consistir em justiça, paz e alegria no Espírito Santo (14.17).
Existe um hino muito antigo cuja estrofe diz assim: não sei porque de Deus o amor a mim se revelou. Uma vez dentro do “ônibus”, já devidamente acomodado, possivelmente você cantará: não sei porque o amor de Deus a mim se manifestou, logo eu que sou totalmente indigno do seu Reino. E pensando assim as cordas do seu coração vibrarão de alegria.


Lutero de Paiva Pereira


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