quinta-feira, 24 de abril de 2014

EM DEFESA DE MARTA

Não é comum ouvir pregação que fale bem de Marta, pois em regra quando os pregadores falam bem de Maria normalmente o fazem à custa de severas críticas a sua irmã, normalmente valendo-se do episódio registrado em Lucas 10.
Para dar certa equilibrada na observação que fazem sobre ambas as irmãs é preciso levantar certa defesa em favor de Marta. Não obstante, desde logo deva ser dito que nem Marta e nem sua irmã Maria devem ser tomadas como padrão de conduta para ninguém, pois nada mais representam do que dois tipos diferentes de pessoas que cabem no mundo e, notadamente, na igreja o tempo todo.
Afinal, uma igreja cheia de gente quieta e assentada como é próprio de Maria não leva a nada e a lugar nenhum, do mesmo modo que uma igreja composta somente de gente ativa e agitada como Marta também não. Melhor é o grupo onde Marias e Martas têm espaço e oportunidade para agirem segundo seus dons e talentos.
Jesus não tinha um amor especial para com Maria por sua disposição de ficar assentada aos Seus pés, nem uma aversão por Marta não se assentar ali. Pelo contrário, Jesus amava indistintamente a ambas e ao grupo familiar composto de três pessoas como o evangelista registrou: Ora, Jesus amava a Marta, e a sua irmã, e a Lázaro (Jo 11.5).
É fato que num certo dia quando Jesus esteve em sua casa Marta, como prestativa que era, ficou empolgada em receber o Mestre e começou a fazer várias coisas. Em contrapartida, sua irmã não fazia nada, mas somente assentada aos pés de Jesus ouvia suas palavras. Isto incomodou a Marta que pediu a Jesus que dissesse a Maria que se levantasse e fizesse uma coisa junto com ela. A esse pedido Jesus respondeu: Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária E Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada (Lc 10.41-42).
Maria escolheu a boa parte de ouvir e não a “boa” atitude de se assentar, pois para ouvir nem sempre assentar-se é necessário.
Com esse texto em mente os pregadores ficam advogando a tese de que Maria se tornou um padrão a ser seguido,  de pessoa não ansiosa que fica assentada para ouvir Jesus falar sempre e durante muito tempo, de modo que todos devem ser assim.
Será?
Certamente Jesus não estava dizendo com tais palavras que essa cena de Maria assentada aos seus pés deveria ser a atitude que todos os crentes deveriam adotar como padrão de vida, o que pode ser facilmente compreendido quando em outro momento essa mesma atitude de Maria de permanecer assentada não mereceu dEle nenhuma observação favorável ou honrosa.
Esse outro momento quando vemos Maria assentada e Marta em pé acontece quando Jesus vai à casa delas para ressuscitar seu irmão Lázaro.
João escreve que quando Marta ficou sabendo que Jesus estava indo a sua casa, imediatamente ela saiu correndo ao seu encontro enquanto Maria continuou em casa assentada: Ouvindo, pois, Marta que Jesus vinha, saiu-lhe ao encontro; Maria, porém, ficou assentada em casa (Jo 11.20).
Ora, nesse momento Jesus não disse a Marta que Maria escolheu a melhor parte ficando em casa assentada, porque em Sua ótica ficar assentado não era em si mesmo virtude alguma, mesmo porque muitas vezes o que a situação recomenda é exatamente o contrário, ou seja, levantar e sair correndo.
Parece que Maria, talvez por questão de temperamento, era do tipo de pessoa gostava mesmo de ficar assentada e quietada, pois em dois momentos diferentes essa foi sua atitude.
Temos, portanto, duas situações onde as mesmas mulheres têm as mesmas atitudes em relação a Jesus, e nenhuma delas é eleita por Jesus como sendo ideal, pois se fosse para Jesus eleger o estar assentado como a melhor atitude do crente, no quadro em que trata da ressurreição de Lázaro ele teria dito para Marta que Maria escolheu a melhor atitude ao continuar assentada em casa. No entanto, Jesus não fez assim.
Isto leva a pensar que ao menos na ótica de Jesus Marta é tão importante quanto Maria, do mesmo modo que assentar-se ou levantar-se também o é.
Deixemos agora de analisar a historia dessas duas irmãs e voltemos a atenção para o grupo de discípulos, pois ali também se aprende sobre o quieto e o inquieto ou, como queiram, o ansioso e o não ansioso.
Entre os discípulos existia aquele que era bem calmo, tranquilo, não ansioso, que vivia bem próximo de Jesus a ponto de na ceia se encontrar com a cabeça no Seu ombro, a saber, João. Por outro lado, existia também aquele discípulo agitado, ansioso, que corria de um lado para o outro, que uma vez até saiu correndo ao encontro de Jesus na praia deixando sua roupa para tras, tamanha a ansiedade de se encontrar com o Mestre, a saber, Pedro.
Com todo respeito João, o sossegado, era a versão Maria e Pedro, o ansioso, a versão Marta.
Ambos os discípulos, no entanto, tiveram grande importância no contexto do Reino de Deus, o primeiro com a missão nobre de escrever o evangelho que apresentou Jesus como Deus, e o segundo com a missão gloriosa de abrir o Reino de Deus aos gentios, pois a ele foram dadas as chaves do reino.
Os dois discípulos, cada um com sua importância, têm lugar no Reino do modo como são, do mesmo modo que Marta e Maria.
Portanto, que as Martas que existem dentro da igreja não queiram ser Marias e nem as Marias queiram ser Martas, e que os pregadores, por sua vez, parem de louvar uma e criticar a outra numa perigosa empreitada de querer padronizar o rebanho.
Que as Marias saibam que têm hora que devem se levantar, como no caso ressurreição de Lázaro e que as Martas entendam que têm hora que devem se assentar, como quando Jesus visitou a casa daquela família.
A sabedoria consiste em saber o momento certo para ter uma ou outra atitude, mas nunca para ser uma ou outra pessoa, pois ninguém é padrão absoluto dentro do Reino de Deus.
Lutero de Paiva Pereira

Nenhum comentário:

Postar um comentário