segunda-feira, 29 de julho de 2013

MISSÃO BIZARRA


É normal gostar do anormal? Normalmente não o é, mas ultimamente parece ser. O bizarro, esquisito, extravagante tem sido o prato predileto de muitos, de modo que quando tudo está normal o prazer é pouco ou nenhum, já que somente o estranho agrada os sentidos.
Através da televisão o telespectador tem acentuado seu apreço pelo anormal, pois os programas de audiência são aqueles que tratam e retratam o mundo extravagante de pessoas e animais.
 O prazer pelo bizarro extrapola todos os campos e chega ao próprio mundo da religião.
No mundo tantas vezes alienado da religião, as missões chamadas de evangelizadoras seguem a mesma sina da televisão, e alimentam a bizarrice dos que lhe emprestam atenção.
Atualmente a missão tida como de valor, muitos entendem assim, deve ter como alvo o homem ou mulher que pode ser considerado exceção à espécie humana, relegando ao segundo plano o cidadão comum ou, como queiram, normal.
Assim, tornou-se propósito da evangelização o homem diferente, o homem estranho, o homem não convencional em razão de uma particularidade que carrega a qualquer título.
Criando subgrupos cada vez mais específicos dentro da espécie humana, as missões se dirigem focadas num público seleto que possa despertar uma emoção diferente naqueles que ouvem algo a seu respeito.
Deste modo, não pode mais causar estranheza a aparição de missões especializadas em alcançar pessoas cujos tipos nem sonhávamos existir em número suficiente para justificar um trabalho específico em sua direção.
Neste caso, é possível que em breve surjam missionários especializados em evangelizar gagos, os quais serão tidos como uma população excluída que não é ouvida por ninguém. 
Não faltará estatística para dizer que 17,38% dos habitantes da terra são gagos não alcançados.
Como se classifica uma pessoa como gago? Qual o parâmetro adotado para enquadrá-la nessa categoria? Ninguém sabe.
Mas o que se afirma é que 17,38% dos habitantes do planeta são gagos e precisam de missionários que fafa,fafa,fafalem a sua linguagem.
O missionário para o gago, obviamente, terá que gaguejar.
Existirão também as missionárias especializadas em mulheres com joanete.
Elas, segundo senso de 2012, são 6,39% da população feminina do Brasil. Portanto, é preciso arrecadar fundos para ir atrás destas pobres coitadas que “sofrem” com seu complexo.
Como conseguiram mensurar esse número?
Novamente ninguém sabe.
Talvez consultaram podólogos, pedicures e outros profissionais que trabalham com os pés, e partir de suas fichas de clientes puderam fazer esse levantamento.
O que não dizer dos missionários que têm como alvo pessoas que têm pé chato, e que correspondem a 11,39% da população masculina.
Nem precisa dizer que este levantamento também não tem base segura de verificação.
Por suporem que tais pessoas são socialmente excluídos e, portanto, padecem grande sofrimento de alma, além do cansaço físico que o pé chato ocasiona, os missionários se especializaram neste nicho, saindo correndo a procura deles. E se os missionários estão correndo ao seu encalce o pé chato deles não permitirá ir longe até serem “abatidos”.
Identificar uma pessoa de pé-chato simplesmente olhando para o seu rosto parece coisa difícil, mas vale a pena ir atrás dela para pescar ao menos um.
E quando esses missionários do bizarro tiverem êxito em sua missão, é possível que tragam gravados testemunhos dos “evangelizados”, depoimentos que o homem minimamente inteligente desconfiará da ausência da verdadeira conversão.
A mulher de joanete dirá que agora está feliz porque se sente livre para andar descalça na praia sem o complexo que outrora a fazia usar botas na areia; o de pé chato não economizará palavras para dizer que agora seu fôlego é outro. Restará o testemunho do gago. Bem,  como o gago continua do mesmo jeito ninguém tem paciência de ouvir suas palavras repetidas de forma incontida por todo o tempo da gravação.
Infelizmente é assim que caminha boa parte da humanidade religiosa, onde o anormal é o normal.
Se a pessoa normal não se enquadrar num grupo de anormais, é possível que nenhum missionário tenha prazer de ir ao seu encontro, nem a agência missionária disposição de arrecadar fundos para fazer missão em sua direção, pois ninguém mais se interessa pelo homem comum.
E para que a missão seja ainda mais interessante e desperte interesse nas pessoas de contribuir financeiramente para seu sucesso, é preciso que ela aconteça bem longe e, se possível, até mesmo noutro continente. Assim, os gagos alcançáveis devem ser do Azerbajão, as mulheres de joanete da Mongólia e os homens de pés chato da Malásia, pois se eles estiverem na própria cidade não tem graça alguma fazer missão ali.
Precisamos aprender que o evangelho é para todos os povos, tribos línguas e nações, e não para uma espécie especial dentro da espécie geral chamada raça humana. E ainda, que homens e mulheres que estão próximos de nós, mesmo não tendo nenhum “adjetivo” que os distingam dos demais, estes também precisam ouvir o evangelho.
Façamos, pois, missão, mas não a missão bizarra. E ao fazer missão tenhamos o cuidado de levar o evangelho e não mais do que isto ao ouvinte, pois o que ele precisa saber é de que sua reconciliação com Deus somente é possível através de Jesus Cristo.

Lutero Paiva Pereira

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