A
palavra conversão é utilizada no mundo evangélico para falar da experiência que
o homem experimenta ao passar pelo processo do novo nascimento.
O
novo nascimento decorre da mensagem do evangelho que convoca o homem para
arrepender-se dos seus pecados, receber a Cristo como Salvador e confessá-Lo
como Senhor para ser feito nova criatura (2ª Co 5.17), para
ter direito a vida eterna.
Essa
conversão, apresentada aqui como sendo a primeira, oferece ao converso um novo
estilo de vida, liberta-o do medo de Deus e lhe proporciona, dentre outras
tantas coisas, aquilo que o apóstolo Pedro chama de viva
esperança (1ª Pe 1.3).
A
conversão é não só uma experiência agradável, como também o início de um tempo
novo, o qual abre a possibilidade de se conhecer a Deus, como Deus
é, e não como imaginava que Ele fosse, provando na prática a máxima escrita
pelo apóstolo Paulo de que Sua vontade é boa, perfeita e agradável (Rm
12.2).
Uma
vez convertido a Cristo o crente tem à sua frente um caminho aberto para o
desenvolvimento de sua salvação (Fp 2.12), consistente no
conhecimento cada vez maior da pessoa de Cristo que, em suma, deve ser o
grande alvo de sua carreira.
Contudo,
eis que sem tomar consciência, e lentamente, algo diferente começa a acontecer
na sua caminhada, o que resultará num desvio perigoso da fé.
Quem
julga que este desvio é impossível de acontecer, recomenda-se a leitura
da carta aos Gálatas, onde o apóstolo escreve a uma igreja inteira que estava
deixando Cristo para ir em direção a seus atos religiosos, como se os mesmos
tivessem um valor que em Cristo não haviam encontrado.
Para
entender bem como o crente se deixa encarcerar por seus atos religiosos, ao invés de continuar livre com a
liberdade que Cristo lhe outorgou (Gálatas, cap. 3), é preciso voltar ao tempo
da primeira conversão e considerar um ponto relevante daquele momento.
Ao
tempo em que foi convertido do seu estado de pecado para a fé em Cristo,
naquela época o crente aprendeu a depositar fé exclusivamente em
Cristo e em Sua obra redentora para ser salvo, pois foi convencido pelo
evangelho de que não podia apresentar nada de si mesmo a Deus como forma
de ser aceito por Ele.
Foi
este impactante encontro com a graça divina que mudou seu coração e lhe trouxe
uma realidade jamais provada, sendo certo dizer que aquele que nunca
passou por tal experiência ainda não nasceu de novo, mesmo que seja
membro de alguma igreja e seu assíduo frequentador.
No
entanto, depois de ter nascido de novo e já ao tempo em que corria a
carreira da fé, seu coração começa a dar sinais de que seus olhos
já não estão postos exclusivamente em
Cristo, pois agora seus atos
religiosos parecem ter um valor notável para torná-lo melhor
diante de Deus.
Assim,
sem se dar conta seu descanso vai sendo transferido de Cristo para aquilo
que ele faz, qual seja, seus atos
religiosos, pois sua
segurança espiritual não está mais centrada em Cristo, mas em Cristo e também
nos mandamentos que cumpre.
Seus atos
religiosos lhe parecem tão valiosos que não pensa um minuto sequer em
deixá-los de lado, e se alguém o faz pensar em sentido contrário sua reação
agressiva à sugestão demonstra que tem segurança neles, e nem cogita em reavaliar
sua conduta.
Pensando
de si mesmo para consigo mesmo, julga que seus atos religiosos têm
“poder” para dar um status melhor diante de Deus, de modo
que não somente intensifica suas práticas como também julga negativamente
aqueles que não os têm em alta consideração.
Quais
são esses atos religiosos que o crente começa a estimar com propósito errado?
São eles: ser um dizimista fiel; um frequentador assíduo aos cultos; um
guardador responsável de dias; um leitor diário das Escrituras; alguém que ora
com frequência (não necessariamente no seu quarto fechado, mas em público); um
conhecedor de todas as doutrinas de sua igreja e ainda, um jejuador com boa
frequência (o que é de conhecimento de muitos, pois faz questão de divulgar sua
prática), etc..
Com
tudo isto fazendo parte de sua vida, pensa no oculto do seu coração que o
que faz é, de certo modo, um “complemento” àquilo que
Cristo fez por ele na cruz.
Infelizmente
quem procede assim não vê o erro em que se encontra, já que o próprio erro o impede
de ver que está errado.
Seu
senso de justiça própria advindo do fato de cumprir esses e
outros atos religiosos com dedicação
extrema eleva seu coração, e faz presumir que não é como os
demais (Lc 18.11), expressão comum aos fariseus que eram os
grandes guardadores da lei, a saber, da lei de Deus e da lei que eles mesmos
criavam.
Se
bem verificado poder-se-ia dizer que boa parte daquilo que os crentes guardam como
sendo mandamento de Deus não passam de doutrina dos fariseus (Mt 16.12),
a qual em nada aproveita à fé.
O
crente que está nesta situação precisa passar urgentemente por aquilo que
chamamos aqui de 2ª conversão, a qual implica em convencê-lo a abandonar
sua justiça para agarrar-se somente à justiça de Cristo, pois
a justiça humana é trapo de imundície (Is 64.6).
E
com esta qualidade esse trapo não pode limpar o homem mais do
que Cristo já o limpou, mas somente sujá-lo ainda mais todas as vezes que dele
faz uso para a si mesmo se purificar.
Todavia,
esta segunda conversão é mais resistida do que a primeira, pelo fato de que ao
tempo daquela o pecador não confiava em nada do que fazia para ser aceito por
Deus, mas por ocasião desta ele confia em si e em sua “santidade” e se julga
sério por ser dedicado ao cumprimento desses atos. Quem tem esses sentimentos em
relação a si mesmo dificilmente se deixará convencer do contrário.
Julgar
os atos religiosos praticados com a intenção de ser
melhor como obra imprestável e inútil para o fim proposto é terrível
para o obreiro, mas em termos de fé cristã é preciso que assim aconteça se
deseja realmente honrar o nome de Cristo e não o seu próprio nome.
Quem
confia nos seus atos religiosos se
afasta de Cristo e já caiu da
graça (Gl 5.4), pois procura em si os méritos que somente em
Cristo pode encontrar.
Desta
forma, a segunda conversão implicará numa luta sem precedente, pois por mais
incrível que possa parecer foi justamente a religião que conheceu depois da
primeira conversão, é que levou o crente a fazer tudo aquilo faz para ser
abençoado, ao invés de praticar o que pratica porque já foi abençoado.
Se
alguém confia em algo que a Escritura não diz para confiar, confia em algo vão
e não experimenta o descanso que a fé colocada somente na Pessoa Cristo oferece
aos que creem.
O
único caminho para levar o crente à graça, e isto depois de ter caído dela, não
é outro senão a própria graça que somente em Cristo pode ser achada.
Lutero de Paiva Pereira
Nenhum comentário:
Postar um comentário