segunda-feira, 8 de julho de 2013

UMA SEGUNDA CONVERSÃO


A palavra conversão é utilizada no mundo evangélico para falar da experiência que o homem experimenta ao passar pelo processo do novo nascimento.
O novo nascimento decorre  da mensagem do evangelho que convoca o homem para arrepender-se dos seus pecados, receber a Cristo como Salvador e confessá-Lo como Senhor para ser feito nova criatura (2ª Co 5.17), para  ter direito a vida eterna.
Essa conversão, apresentada aqui como sendo a primeira, oferece ao converso um novo estilo de vida, liberta-o do medo de Deus e lhe proporciona, dentre outras tantas coisas, aquilo que o apóstolo Pedro chama de viva esperança (1ª Pe 1.3).
A conversão é não só uma experiência agradável, como também o início de um tempo novo, o qual abre  a  possibilidade de se conhecer a Deus, como Deus é, e não como imaginava que Ele fosse, provando na prática a máxima escrita pelo apóstolo  Paulo de que Sua vontade é boa, perfeita e agradável (Rm 12.2).
Uma vez convertido a Cristo o crente tem à sua frente um caminho aberto para o  desenvolvimento de sua salvação (Fp 2.12), consistente no  conhecimento cada vez maior da pessoa de Cristo que, em suma, deve ser o grande alvo de sua carreira.
Contudo, eis que sem tomar consciência, e lentamente, algo diferente começa a acontecer na sua caminhada, o que resultará num desvio perigoso da fé. 
Quem julga que este desvio  é impossível de acontecer, recomenda-se a leitura da carta aos Gálatas, onde o apóstolo escreve a uma igreja inteira que estava deixando Cristo para ir em direção a seus atos  religiosos, como se os mesmos tivessem um valor que em Cristo não haviam encontrado.
Para entender bem como o crente se deixa encarcerar por seus atos religiosos, ao invés de continuar livre com a liberdade que Cristo lhe outorgou (Gálatas, cap. 3), é preciso voltar ao tempo da primeira conversão e considerar um ponto relevante daquele momento.
Ao tempo em que foi convertido do seu estado de pecado para a fé em Cristo, naquela época o crente aprendeu a depositar fé exclusivamente em Cristo e em Sua obra redentora para ser salvo, pois foi convencido pelo evangelho  de que não podia apresentar nada de si mesmo a Deus como forma de ser aceito por Ele.
Foi este impactante encontro com a graça divina que mudou seu coração e lhe trouxe uma realidade jamais provada, sendo certo dizer  que aquele que nunca passou por tal experiência  ainda não nasceu de novo, mesmo que seja membro de alguma igreja e seu assíduo frequentador.
No entanto, depois de ter nascido de novo e já ao tempo em que corria a  carreira  da fé, seu coração começa a dar sinais de que seus olhos já não estão postos  exclusivamente em Cristo,  pois agora  seus atos religiosos parecem ter um valor notável para torná-lo melhor diante de Deus. 
Assim, sem se dar conta seu descanso vai sendo transferido de Cristo para aquilo que ele faz, qual seja, seus atos religiosos,  pois  sua segurança espiritual não está mais centrada em Cristo, mas em Cristo e também nos mandamentos que cumpre.
Seus atos religiosos lhe parecem tão valiosos que não pensa um minuto sequer em deixá-los de lado, e se alguém o faz pensar em sentido contrário sua reação agressiva à sugestão demonstra que tem segurança neles, e nem cogita em reavaliar sua conduta.
Pensando de si mesmo para consigo mesmo, julga que seus atos religiosos têm “poder” para dar um status melhor diante de Deus, de modo que não somente intensifica suas práticas como também julga negativamente aqueles que não os têm em alta consideração.
Quais são esses atos religiosos que o crente começa a estimar com propósito errado? São eles: ser um dizimista fiel; um frequentador assíduo aos cultos; um guardador responsável de dias; um leitor diário das Escrituras; alguém que ora com frequência (não necessariamente no seu quarto fechado, mas em público); um conhecedor de todas as doutrinas de sua igreja e ainda, um jejuador com boa frequência (o que é de conhecimento de muitos, pois faz questão de divulgar sua prática), etc..
Com tudo isto fazendo parte de sua vida, pensa no oculto do seu coração que o que faz é, de certo modo, um “complemento” àquilo que Cristo fez por ele na cruz.
Infelizmente quem procede assim não vê o erro em que se encontra, já que o próprio erro o impede de ver que está errado.
Seu senso de justiça própria advindo do fato de cumprir esses e outros atos religiosos com dedicação extrema eleva seu coração, e faz presumir que não é como os demais (Lc 18.11), expressão comum aos  fariseus que eram os grandes guardadores da lei, a saber, da lei de Deus e da lei que eles mesmos criavam. 
Se bem verificado poder-se-ia dizer que boa parte daquilo que os crentes guardam como sendo mandamento de Deus não passam de doutrina dos fariseus (Mt 16.12), a qual em nada aproveita à fé.
O crente que está nesta situação precisa passar urgentemente por aquilo que chamamos aqui de  2ª conversão, a qual implica em convencê-lo a abandonar sua justiça para agarrar-se somente à justiça de Cristo, pois a justiça humana é trapo de imundície (Is 64.6).
E com esta qualidade esse trapo não pode limpar o homem mais do que Cristo já o limpou, mas somente sujá-lo ainda mais todas as vezes que dele faz uso para a si mesmo se purificar.
Todavia, esta segunda conversão é mais resistida do que a primeira, pelo fato de que ao tempo daquela o pecador não confiava em nada do que fazia para ser aceito por Deus, mas por ocasião desta ele confia em si e em sua “santidade” e se julga sério por ser dedicado ao cumprimento desses atos. Quem tem esses  sentimentos em relação a si mesmo dificilmente se deixará convencer do contrário.
Julgar os atos religiosos praticados com a intenção de ser melhor  como obra imprestável e inútil para o fim proposto é terrível para o obreiro, mas em termos de fé cristã é preciso que assim aconteça se deseja realmente honrar o nome de Cristo e não o seu próprio nome.
Quem confia nos seus atos religiosos se afasta de Cristo e já caiu da graça (Gl 5.4), pois procura em si os méritos que somente em Cristo pode encontrar.
Desta forma, a segunda conversão implicará numa luta sem precedente, pois por mais incrível que possa parecer foi justamente a religião que conheceu depois da primeira conversão, é que levou o crente a fazer tudo aquilo faz para ser abençoado, ao invés de praticar o que pratica porque já foi abençoado.
Se alguém confia em algo que a Escritura não diz para confiar, confia em algo vão e não experimenta o descanso que a fé colocada somente na Pessoa Cristo oferece aos que creem.
O único caminho para levar o crente à graça, e isto depois de ter caído dela, não é outro senão a própria graça que somente em Cristo pode ser achada.


Lutero de Paiva Pereira

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