Desde modo, não há dúvida, a esperança é um ingrediente ativo da fé, e sem que ela exista é
possível dizer que a fé se mostra contaminada por algum vício doutrinário que
precisa ser rapidamente corrigido.
Quando Paulo diz que se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os
homens (1 Co 15.19), suas palavras têm a nítida proposta de alertar seus leitores
para o fim último da fé que, no caso, não é nem o presente nem o mundo atual,
mas o futuro e um mundo que está por acontecer.
Com tais palavras o apóstolo quer dizer, de um lado que a fé em Cristo transcende o tempo atual e a realidade que hoje nos cerca e, de outro que se o crente espera em Cristo somente para o contexto deste mundo, como é próprio dos homens que não esperam para além desta vida, ele se torna um homem miserável, palavra que no original significa alguém digno de compaixão, de piedade.
Esperar em Cristo somente para
este mundo torna o crente uma pessoa digna de piedade porque está sem o melhor da
esperança que vem do evangelho.
Sem a melhor esperança o crente
se torna um ser infeliz, por estar pondo
sua expectativa em coisas passageiras, imprecisas e vulneráveis.
Portanto, sem se alienar da vida
atual, sem se converter numa pessoa estranha no meio dos seus semelhantes, sem
fazer opção por um comportamento que lhes retire aspectos normais da própria humanidade,
o crente deve acolher no coração a esperança que vem do evangelho, a qual tem
na Escritura Sagrada registros mais que suficientes para lhe dar sustento.
É sob tal entendimento que Paulo
optou por direcionar seus dias em razão da certeza que lhe embalava a alma em
termos de esperança: Porque para mim
tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com
a glória que em nós há de ser revelada (Rm 8.18).
Tendo isto em conta, não
seria de todo errado afirmar que o melhor da fé ainda está por acontecer, ainda
que muitas coisas boas a partir do novo nascimento já possam ser experimentadas
por quem creu em Cristo, pois Paulo ensinou: As coisas que o olho não viu, e o ouvido não
ouviu, e não subiram ao coração do homem, são as que Deus preparou para os que
o amam ( 1Co 2.9).
As coisas que Deus preparou para os que o amam são aquelas
que se concretizarão ao tempo da volta de Cristo quando, enfim, seu Reino se
estabelecerá em definitivo e totalmente nesta terra.
Em razão do aspecto grandemente futurista da fé cristã, tirar
os olhos da era vindoura ou da expectativa justa que deve nortear o ânimo do
crente, é reduzir em muito a amplitude do próprio termo salvação.
Afinal, salvação traz bem mais benefícios do que aqueles que
comumente lhe são atribuídos.
Em termos de salvação muitos crentes estão convictos de que
não mais irão para o inferno, o que é uma verdade. No entanto, eles não estão igualmente
certos para onde irão e nem como viverão.
Pensar para onde não se vai é bem diferente de pensar para
onde se vai, sendo certo dizer que o crente precisa estar certo, isto sim, para
onde irá para então estar mais que seguro para onde não irá.
É para falar da esperança
positiva, isto é, daquela que diz como será, e não da esperança negativa, ou
seja, daquilo que fala do como não será, é que se ocupa esta reflexão.
Já ao tempo da evangelização a
mensagem deve criar no coração do pecador a esperança de que por intermédio de Jesus
Cristo ele poderá ter seu relacionamento com Deus restaurado plena e totalmente
tão logo confesse a Jesus como Senhor e O receba como Salvador.
Quando o homem ainda não
regenerado ou ainda não crente ouve o evangelho, a mensagem corretamente
anunciada lhe assegura, dentre outras coisas, a reconciliação com Deus, a qual decorre da justificação de seus pecados, justificação que sela sua paz com Deus de forma definitiva.
Assim está escrito: Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso
Senhor Jesus Cristo (Rm 5.1).
É por intermédio da redenção que há em Cristo que tudo isto
acontece com o pecador.
Redimir é o mesmo que resgatar. No caso, o evangelho propõe redimir,
resgatar e livrar o pecador do seu estado atual de morte e inimizada com Deus,
elevando-o a condição de vivificado em Cristo para ser adotado como filho de
Deus.
A não ser por intermédio do evangelho ninguém poderá esperar ter sua comunhão com Deus
trazida a realidade, pois somente no evangelho é que ela é possível de ser
encontrada.
Uma vez concretizada a esperança
inicial da mensagem, o que acontece quando o pecador recebe a Cristo como
salvador, ocasião em que seu espírito é regenerado,
isto é, é gerado de novo, a partir daí ele se mantém confortado pela esperança
de ter seu corpo redimido e assegurada sua morada numa terra igualmente
restaurada.
Um dia, conforme está escrito,
aquele que nasceu de novo terá seu corpo redimido dos efeitos do pecado.
Sabemos todos, e não há novidade
nisto, o homem é um ser complexo que tem seu lado espiritual e também seu lado material
ou físico que é o corpo.
Considerando que o corpo humano
não foi regenerado no momento em que o espírito humano foi gerado de nova pela
fé em Jesus Cristo, para o homem se tornar um ser completamente salvo e ter a plenitude
da salvaçao, é preciso que seu corpo passe também por uma transformação tal que
lhe dê a dignidade de ser efetivamente uma nova
criatura em sua totalidade, a saber, corpo e alma.
O apóstolo Paulo escreve que nós esperamos a redenção
do nosso corpo: E não só ela, mas nós
mesmos, que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos,
esperando a adoção, a saber, a redenção do nosso corpo (Rm 8.23).
Esta redenção implica no fato do
corpo ser resgatado ou livrado do seu estado atual de mortalidade e
corruptibilidade para ser, enfim, revestido da imortabilidade e da
incorruptibilidade: E, quando isto que é
corruptível se revestir da incorruptibilidade, e isto que é mortal se revestir
da imortalidade, então cumprir-se-á a palavra que está escrita: Tragada foi a
morte na vitória ( 1 Co 15.54).
Paulo ainda
diz que na parousia Cristo transformará nosso corpo abatido para ser um corpo
de glória semelhante ao dele: Que
transformará o nosso corpo abatido, para ser conforme o seu corpo glorioso,
segundo o seu eficaz poder de sujeitar também a si todas as coisas (Fp
3.21).
Com o espírito redimido e com seu
corpo totalmente restaurado, num e noutro caso livre do pecado, o crente se
tornará uma pessoa completamente salva para viver com Deus e para Deus, desfrutando
de bem-estar jamais experimentado.
Portanto, como é certa a redenção
do corpo vale a pena manter os olhos postos nesta esperança que vem do
evangelho.
Uma vez que o crente teve seu
relacionamento com Deus restaurado quando creu em Jesus Cristo, e como terá seu
corpo transformado quando Cristo voltar, resta saber em termos de esperança o
que a Bíblia diz sobre seu lugar de habitação.
Com efeito, Deus tem reservado para
o homem que creu em Cristo um lugar de indizível satisfação, chamada de nova
terra.
Sobre ela escreveu o apóstolo
Pedro: Mas nós, segundo a sua promessa,
aguardamos novos céus e nova terra, em que habita a justiça (2 Pe 3.13).
Há uma promessa da parte de Cristo de dar aos
salvos novos céus e nova terra, um ambiente totalmente conforme a justiça ou
retidão procedente de Deus para ser ali o seu ambiente de vida eterna.
Esta nova
terra que será a morada dos crentes o apóstolo João diz ter visto: E vi um novo céu, e uma nova terra. Porque
já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe (Ap
21.1).
A nova terra, esperança dos salvos, não é coisa que aparece só no Novo
Testamento, pois no Antigo Testamento o profeta já falava dela: Porque, eis que eu crio novos céus e nova
terra; e não haverá mais lembrança das coisas passadas, nem mais se recordarão
(Isa 65.17).
Porque a terra é do Senhor e toda a sua plenitude
( 1Co 10.26), quando do retorno de Cristo a Bíblia diz que ela e seus elementos
abrasados serão desfeitos e transformados para dar lugar a uma terra nova,
livre totalmente de todos os efeitos negativos que o pecado trouxe sobre ela: Mas o dia do Senhor virá como o ladrão de
noite; no qual os céus passarão com grande estrondo, e os elementos, ardendo,
se desfarão, e a terra, e as obras que nela há, se queimarão (2 Pe 3.10)
Em lugar da terra antiga haverá a terra nova onde Deus mesmo fará sua morada
com os homens: E vi um novo céu, e uma nova terra. Porque
já o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. E eu,
João, vi a santa cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu, adereçada
como uma esposa ataviada para o seu marido. E ouvi uma grande voz do céu, que
dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens, pois com eles habitará, e
eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles, e será o seu Deus (Ap 21.1-3).
Com a terra restaurada por Deus e para Deus, os
crentes viverão ali a plenitude de sua salvação.
Tendo em conta a esperança da redenção da corpo e
a restauração da terra para uma habitação eterna, quem olha para frente, para
aquilo que Deus tem proposto para os que o amam, dificilmente terá interesse de
voltar ao status quo ante, ou seja, ao
tempo em que sua esperança se limitava aos termos finitos e passageiros desta
terra que se desfará.
Tendo isto em vista, vale a
consoladora advertência apostólica de se manter firme e fundado na fé e de não
se deixar afastar da esperança do evangelho: Se, na verdade, permanecerdes fundados e firmes na fé, e não vos
moverdes da esperança do evangelho que tendes ouvido, o qual foi pregado a toda
criatura que há debaixo do céu, e do qual eu, Paulo, estou feito ministro (Cl
1.23).
Lutero de Paiva Pereira