sábado, 31 de março de 2012

A SORTE DO FILHO PRÓDIGO

Doente, faminto, fraco, sujo e sem qualquer possibilidade de sobreviver por mais tempo naquelas condições na  terra longínqua, o filho pródigo tomou uma decisão: lenvantar-me-ei e irei ter com o meu pai (Lc 15.18).
Diz que voltaria porque sabia que o pai era bom para com seus empregados, e que sendo recebido como um deles, e não mais como filho, pois não merecia mais tal privilégio, já seria para ele uma grande coisa.
A distância entre o lugar onde estava e aquele para onde deveria voltar era grande o suficiente para encontrar muita gente pelo caminho, inclusive pregadores e missionários.
Todavia, teve sorte o jovem combalido ao não encontrar ninguém, menos ainda pregadores e missionários quando do seu retorno.
Afinal, se os encontra é bem possível que até hoje estivesse na terra longínqua lamentando sua situação ou, o que é pior, vivendo ali com um espírito religioso que lhe comunicava a idéia de que tinha direitos de filho e não de empregado caso resolvesse voltar para casa.
Porque se fala em sorte em não encontrar pregadores e missionários se pregadores e missionários são estimados como arautos do evangelho?
A razão é simples. A considerar o que fazem os pregadores e missionários modernos, qualquer deles que tivesse se interposto entre o filho e o pai, sua mensagem desanimaria o jovem a prosseguir em direção ao encontro desejado ou ao menos retardaria muito esse acontecimento.
Afinal, não pregam o evangelho da graça, mas o evangelho das obras, das maldições, etc.
Um sermão falaria ao jovem que ele não poderia ser recebido pelo pai naquelas condições, pois estava muito sujo  para um encontro tão importante.
Ao final da mensagem o apelo seria feito no sentido de levar o jovem a se lavar, a  limpar-se e para isto o pregador certamente lhe oferecia o chuveiro, o perfume e a roupa necessária para estar bem, é claro, desde que o rapaz se prontificasse a dar uma oferta para a obra.
É possível que outro pregador disesse ao rapaz que seu encontro com o pai  diante tudo para ser  terrível, pois o pai seria severo para com ele, já que seus bens e, de alguma forma o próprio nome da familia, teriam sido afetados pelo seu comportamento fora de casa.
A proposta da pregação era preparar o rapaz para receber a punição devida.
Colocando medo no rapaz o pregador ofereceria um alívio através de sua intercessão feita com jejum, é claro, se ele comprasse cd's de testemunhe que eram vendidos para arrecadar fundos para o  trabalho.
Finalmente, não seria incrível também pensar que o jovem ouviria de outro missionário que depois de passar longo tempo na terra longínqua ele trazida consigo algum tipo de maldição, cuja libertação somente poderia ser alcançada num culto específico para este fim.
O rapaz, porém, teria que retardar alguns dias sua volta para casa até que na reunião de poder ficasse livre de todo mal.
Outras coisas teria ouvido o rapaz se tivesse encontrado pelo caminho um pregador da "graça" ou um missionário libertador, daqueles que Jesus chamou de fechadores de portas ou trancadores do acesso ao reino de Deus, os quais não conhecem nem Deus, menos ainda sua graça.
Ai de vós, disse Jesus, escribas e fariseus, hipócritas, porque fechais o reino dos céus diante dos homens; pois vós não entrais, nem deixais entrar os que estão entrando (Mt 23.13).
Escribas e fariseus – legalistas ao extremo - se incomodavam  com o fato de Jesus comer com pecadores, com homens e mulheres que a semelhança do filho pródigo estavam em condição degradante para estarem junto dEle.
Jesus fazia isto não para provocá-los, mas sim, porque a essência da salvação é chamar pecadores ao arrependimento e torná-los participantes do Reino de Deus.
Como o filho pródigo teve a “sorte” de não encontrar pelo caminho campanhas missionárias patrocinadas por escribas e fariseus, lá foi ele do jeito que estava – doente, sujo, pobre, maltrapilho – em direção a casa do pai, arrependido por tudo que tinha feito.
E como seguiu em frente provou da graça e do amor do pai, que não somente o recebeu do jeito em que se encontrava, como mandou lhe dar banho, trocar a roupa, colocar sandálias nos pés, anel na mão para sentar-se com ele a mesa e celebrarem juntos o fato de que ele estava morto e reviveu, estava perdido e foi achado (Lc 16.32).
A parábola nos ensina que a necessidade do pecador não é ouvir apelos religiosos nem mandamentos para serem cumpridos, nem mesmo satisfazer condições antes do encontro com Cristo, pois não está habilitado para coisa alguma neste sentido.
O que o pecador mais necessita nestas horas, a semelhança do filho pródigo, é encontrar-se com Pai para receber dele a provisão necessária ao seu pleno restabelecimento.
É em Cristo que Deus se encontra com o pecador arrependido, e é Cristo quem lhe dá tudo aquilo que perdeu enquanto viveu no pecado, a saber: o relacionamento com o Pai, a roupa, o anel, as sandálias, a saúde, a alegria e o ambiente do lar.
Que os pecadores dos nossos dias encontrem-se diretamente com Cristo antes mesmo de ouvirem  tais  pregadores, e isto para que seu encontro com o Pai seja real e ambos tenham satisfação.


O Pai, por receber como filho um pecador que se arrepende e  pecador por ser recebido pelo Pai na condição de filho.
Lutero de Paiva Pereira

sexta-feira, 30 de março de 2012

PAULO, PEDRO, JÓ ... BONS PASTORES



O cristão, diferentemente de todas as outras pessoas que se dão a algum outro tipo de confissão religiosa, é único no sentido de ter o privilégio de poder conhecer aquele no qual processa sua fé.
Ninguém mais a não ser o crente em Jesus Cristo pode conhecer Aquele que é objeto de sua fé, e isto porque morreu, ressuscitou e vive para sempre.
Contudo, embora o conhecimento de Cristo seja uma possibilidade acessível ao crente, é fato que nem sempre isto se torna uma realidade para os que creem, pois muitos deles não têm ânimo ou não são estimulados a tanto em face das pregações que ouvem.
Quando muito, os crentes gostam de conhecer a Bíblia mas não pensam naquele de quem a Bíblia trata, e isto torna seu conhecimento de Cristo pobre.
Em razão disto, a vida espiritual de tais pessoas não passa do cumprimento de rituais religiosos, os quais são satisfeitos para aplacar o medo que tem de Deus e não para intensificar sua comunhão com Ele.
No salmo 23, ao descrever a relação entre a ovelha e o pastor, o salmista diz que a ovelha não tem falta de coisa alguma porque seu pastor a conduz a pastos verdejantes, a águas tranquilas, etc., coisas mais que necessárias para tenha uma vida tranquila.
Tomando tal figura emprestada, os crentes deveriam se permitir ser pastoreados por Paulo, Pedro, Jó de modo a serem conduzidos àquilo que verdadeiramente necessitam, isto é, conhecer a Cristo.
Jesus Cristo, o Filho de Deus, veio ao mundo, morreu, ressuscitou, foi assunto aos céus e vive a direita de Deus com possibilidade de ser conhecido por meio da Palavra e por intermédio do ministério do Espírito Santo por todos que isto desejam, o que encerrar o propósito da salvação. Afinal, o salvo que não conhece seu Salvador não progrediu nada na salvação.
A vinda do Espírito Santo ao mundo teve como um de seus pontos principais não só levar as pessoas ao conhecimento de Cristo para serem salvas, o que é o início de tudo, como também para levá-las a conhecer a Cristo melhor depois da conversão.
Quando o crente para no primeiro momento e resiste em ir ao segundo estágio da salvação, sua perda é de graves consequências.
Se o crente conheceu a Cristo quando nasceu de novo, mas não O conheceu mais a partir de então, é bem possível que a alegria da salvação já tenha ido embora, pois para o coração se manter alegre com Cristo é preciso que continue a conhecer a Cristo mais e mais.
O conhecer a Cristo é, portanto, essencial e fundamental à fé, pois crer em quem não se conhece, ou se conhece somente por meio de informação de terceiros, deixa a alma carente de algo melhor.
No livro de Jó observamos que o grande final de sua experiência de sofrimento não foi o fato de que ele teve seu patrimônio multiplicado várias vezes por Deus, como muitos crentes materialistas enxergam. Pelo contrário, o ápice de sua experiência foi que ela lhe proporcionou a oportunidade de conhecer a Deus diretamente, pessoalmente, já que antes disto ele diz que O conhecia somente por ouvir falar dEle.
Eis sua confissão: Com os ouvidos eu ouvira falar de ti; mas agora te vêem os meus olhos (Jó 4.25).
Outra tradução: antes eu te conhecia só de ouvir falar, mas agora meus olhos de veem.
Conhecer a Deus por dedução, por suposição ou com base em meras informações não é suficiente para a fé, já que para a fé ser sadia e ter consistência é preciso que aquele que crê conheça aquele em quem crê.
Na questão de conhecer a Cristo o apóstolo Paulo foi enfático: porque eu sei em quem tenho crido, e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia (2 Tm 1.12).
 Paulo não somente escreveu sobre Cristo e proclamou a Cristo a outros, como foi um dedicado conhecedor de Cristo.
E tanto o apóstolo O conheceu bem e se maravilhou-se em conhecê-Lo, que suas epístolas estão recheadas de detalhes riquíssimos a respeito de Cristo e de sua obra, de modo que por intermédio delas outros podem chegar ao mesmo nível de conhecimento do Senhor.
Saber em quem se crê é mais importante do que o próprio ato de crer, já que ignorar o objeto da fé é o mesmo que não ter fé nenhuma.
E ao dizer que conhecia Aquele em quem cria, o apóstolo afirma que estava tranquilo e seguro pois ele era poderoso para guardar o seu depósito até aquele dia.
Ao conhecer a Cristo o apóstolo ficou sabendo também a respeito do poder de Cristo para lhe dar segurança plena até o dia final, de modo que nenhuma angústia em termos de futuro lhe incomodava mais.
O que dava segurança a Paulo em termos do que estava por vir não era sua fé mas sim, aquele em quem sua fé estava depositava.
Com efeito, conhecer a Cristo é toda a dinâmica da vida cristã e, de alguma forma, a essência da própria vida eterna, pois Jesus mesmo informou que a vida eterna consiste em conhecer a Deus e a seu Filho: E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, como o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, aquele que tu enviaste (Jo 17. 3).
No mesmo sentido do apóstolo Paulo, Pedro convida aqueles que já conheceram a Cristo, por terem sido salvos por Ele, a prosseguirem no Seu conhecimento ainda mais, pois o conhecer inicial de Jesus como Salvador não esgota em si mesmo a beleza de conhecê-Lo como Senhor: antes crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. A ele seja dada a glória, assim agora, como até o dia da eternidade ( 2 Pe 3.18).
A despeito das cartas de Paulo e dos demais escritores sagrados terem por objetivo apresentar aos seus leitores a pessoa de Cristo, e isto para que eles possam conhecê-Lo de modo que intensa e consistentemente possam falar dEle para conhecimento de outros, o uso que os crentes normalmente fazem das Escrituras não tem este escopo.
Com efeito, se a Bíblia é lida somente como projeto de leitura anual; para conhecer doutrinas; para "adquirir" poder para fazer milagres; para saber sobre a atuação de demônios etc, e não para conhecer a Cristo, a vida do crente indicará este desvio de finalidade no uso da Palavra.
Retire o conhecimento de Cristo como alvo do coração e a fé murchará como uma fruta deixada numa gaveta, comprometendo o amor do crente para com Deus e seu reino.
Deste modo, deixe-se  pastorear por Paulo e sua convicção, por Pedro e sua dinâmica e por Jó e sua experiência, de modo a ganhar um estilo de vida à altura do evangelho, sendo estimulado a ir adiante no processo de conhecer a Cristo.
Afinal, o melhor da salvação reside no fato de conhecer o Salvador.
No Antigo Testamento o profeta aspirava: Conheçamos, e prossigamos em conhecer ao Senhor; a sua saída, como a alva, é certa; e ele a nós virá como a chuva, como a chuva serôdia que rega a terra (Os 6.3).
Aspiremos assim.
Lutero de Paiva Pereira

sexta-feira, 23 de março de 2012

PREGA A PALAVRA


A reforma protestante ocorrida no século XVI tinha uma proposta clara a defender. Que a igreja se voltasse para a Palavra de Deus, de modo que a Palavra fosse o centro de suas ocupações.
O protesto, portanto, não foi um movimento conclamando a uma atitude contra alguma coisa mas sim, a uma atitude a favor de algo, e este consistente na pregação da Palavra sempre.
Portanto, o sentido correto da palavra protestante, no caso do movimento referido, é ser a favor e não contra algo ou alguém.
Deste modo, é incorreto pensar que ser protestante é ser contra católico, pois ser contra católico não implica necessariamente em ser a favor da Escritura, ou ser a favor da Escritura em ser contra católico.
A Palavra de Deus, pensavam os reformadores, não poderia ser menosprezada pela igreja de Deus, sob risco dela andar por caminhos contrários a Sua vontade.
Esta preocupação com a Palavra, no entanto, precede a reforma e vem de tempos remotos, encontrando na voz do próprio apóstolo Paulo seu defensor mais ferrenho.
A Timóteo, seu verdadeiro filho na fé (I Tm 1.2), ele conclama: prega a palavra (II Tm 4.2).
E fazia tal advertência ao jovem pregador para estimulá-lo a não se desviar deste objetivo maior do seu labor, porque sabia que em breve ele encontraria todo tipo de resistência contra seu ministério de anunciador da verdade.
Paulo observa: pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças, como que sentindo coceira nos ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos à verdade, entregando-se a fábulas (II Tm 4.3-4).
As fábulas ou os mitos atrairiam as pessoas mais do que a própria verdade, e fazendo assim elas não mais suportariam ouvir esta enquanto estivessem afeiçoadas àquelas.
Mas como Timóteo deveria manter seu compromisso com a Palavra, isto é, com a verdade, mais do que com seus próprios ouvintes, notadamente quando estes não queriam ouvir a verdade, ele deveria continuar a pregar a Palavra e não as fábulas ou os mitos que os homens desejavam que lhes fossem anunciadas.
Esta “coceira nos ouvidos” presente dos dias de Timóteo ainda se encontra atuante hoje, e muitas igrejas não fazem do culto outra coisa senão em acariciar esse comichão com práticas pouco ortodoxas.
Assim, umas igrejas ostensivamente se ocupam em pregar mitos e fábulas quando fazendo uma interpretação absurda da Escritura dizem a seus membros, por exemplo, que como Deus é o senhor da prata e do ouro eles serão enriquecidos por Deus; ou, que sendo filhos de Deus o mar se abrirá diante deles em qualquer situação para que passem a pés enxutos vencendo todo tipo de problema ou resistência que diante deles se apresente; ainda, que pela fé poderão determinar que as coisas aconteçam e elas acontecerão, independentemente do que se quer e do motivo pelo qual se deseja ter, etc.
Tudo isto não passa de lendas, fábulas ou mitos que fazem bem aos ouvidos que coçam por coisas que nada dizem respeito ao evangelho de Cristo.
Outras igrejas, menos agressivas, não pregas  mitos ou lendas de forma tão acintosa, mas também não se importam em pregar a palavra, deixando o culto transcorrer com outras coisas.
Afastando-se das Escrituras e afastando as Escrituras da reunião essas igrejas entregam o momento do culto a fluência dos tais “ministros” de louvor ou, como queiram, dos “levitas”, para que ao seu bel prazer eles ouricem o povo com uma musicalidade e teatro de nenhum proveito  à fé.
O que os “levitas” modernos se propõem  é, isto sim, fazer a igreja levitar, a sair do chão, a deixar a realidade naquele momento com ritmos e letras que agradam a coceira espiritual dos ouvidos daqueles que não querem nada com a verdade.
E para assessorar os “levitas” e alucinar ainda mais o povo, um grupo de bailarinas se poe a saltar de um lado para o outro, tornando o culto artisticamente ruim e espiritualmente terrível.
Como herdeiros da reforma protestante precisamos protestar em favor da volta da Escritura como centro da reunião da igreja, de modo que ela seja lida e proclamada com respeito e reverencia, cumprindo seu papel não só de edificar os santos, como também de “limpar” o templo, retirando dali tudo aquilo que não lhe diz respeito, do mesmo modo que Jesus alijou do templo os cambistas que dele haviam se apossado para fim diferente de sua proposta primeira.
Pregar a palavra, eis a função do homem comprometido com o evangelho de Cristo; ouvir a palavra¸ eis a necessidade do homem que ama o evangelho do reino; limpar ou purificar a igreja, eis o poder da palavra proclamada.
Lutero de Paiva Pereira


quinta-feira, 22 de março de 2012

O EVANGELHO. SÓ O EVANGELHO. SEMPRE O EVANGELHO



Ao iniciar sua carta mais profunda em termos doutrinários, a saber, a epístola aos romanos, o apóstolo Paulo principia dizendo que ele foi separado para o evangelho de Deus (v.1), evangelho este prometido nas escrituras sagradas (v.2). 
Por este pequeno relato já fica evidente que aquilo que Paulo via no Antigo Testamento é bem diferente do que normalmente vêem os pregadores modernos, pois enquanto ele observa ali Deus prometendo o evangelho, os outros só conseguem visualizar judeus, lutas, guerras, gigantes, etc.
E tanto é assim que os sermões construídos a partir daquela Escritura nunca apontam para o evangelho de Deus.
Enquanto os pregadores se ocupam do Antigo Testamento para falar de acontecimentos espetaculares envolvendo os judeus,  enaltecendo heróis bíblicos, Paulo vai além e observa ali o evangelho ou as boas novas de Deus para os homens.
Se o Velho Testamento tinha como objetivo dar destaque aos judeus e não ao evangelho, o apóstolo Paulo que era judeu e da tribo de benjamim, portanto, hebreu de hebreu (Fp 3.5) teria visto lá os judeus e não o evangelho. No entanto, sendo propósito da Escritura tratar de Cristo, mesmo no tempo que relata a história do povo de Deus, o evangelho de Deus precisa ser visto ali por quem teve os olhos desvendados pela graça.
O apóstolo faz questão então de registrar que esse evangelho prometido por Deus nas escrituras sagradas diz respeito a seu Filho, o qual nasceria da descendência de Davi, segundo a carne (v.3).
Com tal objetividade Paulo põe em evidencia que as boas novas têm a ver com Jesus Cristo, o Filho amado de Deus o qual, na sua visão, era o centro do Antigo Testamento e não poderia deixar de sê-lo também do Novo Testamento.
Quando fala diretamente de Jesus o apóstolo diz que foi por Sua ressurreição dentre os mortos que Jesus foi declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santificação (v.4), de modo que pela Sua ressurreição está mais que provado que Ele era o Filho de Deus, cuja vinda ao mundo havia sido anunciada pelos profetas nas Escrituras.
Como Paulo estava escrevendo a homens e mulheres que haviam sido chamados para serdes de Jesus Cristo (v.6), isto significa que os destinatários da epístola eram crentes, isto é, pessoas que já haviam sido salvas pelo evangelho, o evangelho prometido por Deus nas escrituras sagradas e cumprido em Jesus Cristo.
Bem. Se Paulo escrevia para pessoas já evangelizadas, seria de esperar que ele lhes falasse novamente do evangelho?
Na visão moderna a resposta seria não, pois em geral se entende que pessoas já evangelizadas não precisam mais saber do evangelho, mas de outras coisas mais "elevadas".
No entanto,  Paulo pensava de outra maneira.
Para ele seja o homem não regenerado, seja o pecador que já nasceu de novo pelo poder do evangelho, ambos precisam saber sempre e cada vez mais do evangelho, pois sendo o evangelho a própria pessoa de Cristo e sua obra ele é algo inesgotável que deverá ser apresentado sempre a todos.
Assim, Paulo anunciava o evangelho, só o evangelho e sempre o evangelho, tanto na  evangelização dos perdidos quanto na edificação da igreja. 
Após dizer que ele dava graças ao meu Deus por Jesus Cristo, acerca de vós todos, porque em todo o mundo é anunciada a vossa fé (v.8), demonstrando o quão notória era a fé dos romanos, e que por várias vezes quis estar com eles, Paulo prossegue dizendo que estava pronto para também vos anunciar o evangelho (v.15).
Noutras palavras, Paulo deseja falar do evangelho aos que já haviam sidos salvos pelo evangelho.
Como na visão do apóstolo o evangelho de Cristo é o poder de Deus (v.16) no qual se descobre a justiça de Deus (v.17), os romanos tinham muito mais aprender do evangelho do que dele já tinham experimentado, de modo que precisavam saber mais coisas a seu respeito do que já sabiam.
A partir destas palavras introdutórias Paulo passa a escrever sobre o evangelho de Deus na perspectiva da revelação de Sua justiça, e isto para que os crentes, homens e mulheres já evangelizados, tivessem uma visão mais profunda do evangelho de Deus.
Com efeito, é míope a visão que muitos têm de que o crente não mais precisa conhecer do evangelho depois que foi salvo, e que sua edificação advém do conhecimento de outras coisas que não seja o próprio evangelho, ignorando que à luz da Escritura, ao menos daquela que é adjetivada de sagrada, além do evangelho nada mais se pode aprender.
Na verdade edificação nada mais é que o processo de se conhecer e crer cada dia mais em Jesus Cristo, o evangelho prometido por Deus nas Escrituras antigas, e que nas páginas do Novo Testamento é tratado de forma clara por todos os escritores.
A igreja, portanto, precisa ouvir o evangelho, só o evangelho e nada mais do que o evangelho, mesmo porque fora dele não há nada de Deus para ela.
E se a igreja se afasta deste centro, ainda que sob o pretexto de conhecer doutrinas, ela perde a vida do evangelho que está em Cristo e não na doutrina que aponta para Cristo.
Portanto, é tempo de aprender a olhar o Antigo Testamento como as páginas que registram a promessa de Deus sobre o evangelho e o Novo como as páginas que relatam para o cumprimento desta promessa, vendo a Bíblia toda como um livro do evangelho do Filho de Deus.
Se fora de Cristo não há bênçãos de Deus, em Cristo todas elas estão presentes, razão pela qual o apóstolo escreveu aos efésios: Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo (Ef 1.3).
O coração que desejar o que Deus deseja haverá de se inclinar a conhecer o evangelho das insondáveis riquezas de Cristo (Ef 3.8), e aquele que a isto se afeiçoar verá quão enriquecedor ele é. Portanto, voltar para o evangelho é o melhor retorno para quem deseja andar pelo caminho reto.
 Lutero de Paiva Pereira

segunda-feira, 19 de março de 2012

“EM MEMÓRIA DE MIM”

No texto da Escritura utilizado pela igreja no momento da ceia do Senhor, há uma ênfase que nem sempre é levada em conta à altura de sua importância, e isto para prejuízo dos próprios crentes. A ênfase em questão é que a ceia é um momento para se trazer a memória ou para se lembrar de forma bem mais objetiva da pessoa e da obra de Jesus 


Como a mente humana não consegue lembrar-se intensamente de duas coisas ao mesmo tempo, esta sua limitação exige que  na ceia a atenção se volte exclusivamente para Cristo, sob o risco de neste próprio  momento a mente se inundar de outras lembranças e o tempo transcorrer sem nenhum proveito espiritual para o seu participante.
Os elementos pão e vinho não têm valores em si mesmos, sabem bem os crentes reformados, mas eles são utilizados com um significado que não pode ser perdido de vista que é aportar para  Cristo.
O cálice, por exemplo, fala da  nova aliança de Deus com seu povo através do sangue de Cristo, aliança esta que deve ser lembrada e considerada naquele instante para glória do Salvador e bem-estar dos salvos.
É fato que para saber dos grandes benefícios da nova aliança o crente precisa conhecer não só do conteúdo de suas bênçãos, como também de como era a antiga aliança, pacto que Deus havia feito com Israel no Antigo Testamento.
Afinal, só existe nova aliança porque existiu uma velha aliança, e isto está bem  claro na carta aos  hebreus.
E é do contraste entre a antiga e a nova aliança que se descobre a superioridade do pacto atual, e de quão espetaculares são seus efeitos. Ao se entender assim o coração ficará grato a  Deus por estar aliançado com Ele através de Cristo.
Mas para conhecer ambas a alianças e provar dos benefícios do novo pacto o crente precisa ser mais instruído na Escritura, pois sem a informação vinda da Palavra nada disto é possível.
Se se perguntasse a igreja no momento da ceia o que é nova aliança é bem provável que poucos saberiam dizer, e os que se atravessem a responder talvez não o fizessem com o devido acerto.
Esta ignorância sobre a verdade torna os crentes espiritualmente “subdesenvolvidos”, pois os faz participar da ceia como um mero ritual religioso que desta forma nada lhes comunica de realidade.
 Deste modo, sem se lembrar de Cristo e de Sua obra ao tempo da ceia, o crente não dá a Cristo a devida honra e deixa de experimentar da maravilhosa realidade espiritual que consiste em participar dos elementos como um memorial ao Senhor.
Portanto, como a ceia aponta diretamente para Cristo, no momento em que dela se participa não é recomendado  olhar para si mesmo num constante processo de auto-exame, pois ela não foi instituída para este fim, como também não é tempo para lembrar dos irmãos, como se a reunião se prestasse à proclamação de frases de conteúdo fraternal entre seus participantes, menos ainda um ato religioso para ser cumprido dentro do processo litúrgico.
Com efeito, ao instituir a ceia Jesus foi enfático: fazei isto em minha lembrança (1 Co 11.24/25) ou, noutra tradução, fazei isto em memória de mim, de modo que biblicamente falando não há espaço na ceia para outra coisa que não seja para trazer à memória Cristo e Sua obra.
Se durante os dias da semana o crente não tem sua mente suficientemente centrada em Cristo para considerar sua obra e pessoa, o que é uma realidade, cumpre ao pastor, na ministração da ceia, utilizar-se do texto sagrado com a ênfase que ele carrega, e isto para que através dos elementos – pão e vinho – os participantes da mesa  lembrem-se daquele de quem nunca deveriam ter se esquecido.
Com efeito, é na exata proporção que Cristo vai sendo apagado da memória dos crentes, é que sua vida espiritual vai diminuindo de fulgor.
No cativeiro Jeremias escreveu: quero trazer à memória aquilo que me dá esperança (Lm 3.21).
Se você está vivendo situação tal que a alegria da salvação e o amor a Cristo sumiram do coração, o melhor a fazer é trazer à memória algo que lhe dá esperança e vivifique seus dias, a saber, Jesus Cristo.
Deste modo, na próxima ceia participe dela com o objetivo para qual ela foi instituída, ou seja, para ser um memorial de mim, ou seja, um momento para Jesus Cristo ser lembrado mais firmemente por aqueles que Ele salvou.
Siga, portanto, a orientação do Senhor que ao instituir a ceia chamou a atenção dos discípulos para o seguinte fim: fazei isto em memória de Mim.
Lutero de Paiva Pereira

sábado, 10 de março de 2012

O LADRÃO DA CRUZ E O EVANGELHO DO REINO

As orações e as músicas indicam, em regra, o tipo de evangelho no qual se crê e, consequentemente, na esperança que se tem.  
É comum os crentes pedirem em oração e afirmar em cânticos desejos tais como: ir para o céu para andar em ruas de ouro; virar anjo depois da morte; ganhar uma mansão celestial na eternidade, etc.
Tais aspirações, todavia, não têm nada a ver com a proposta real do evangelho de Jesus Cristo, de modo que esperar por elas é ter a certeza de não alcançá-las nunca.
Com efeito, que prazer pode existe em andar em ruas de ouro? Ou, virar anjo para voar? E ainda, morar nunca casa enorme, com várias suítes, nos céus?
Portanto, o melhor que os crentes fazem é olhar para a Escritura para conhecer o verdadeiro evangelho e seu propósito, tendo por  base, no caso, a experiência do ladrão na cruz.
Se os pregadores não promovem o evangelho que se ouça o ladrão, claro, o convertido.
Diz o texto de Lucas que arrependido o ladrão suplicou a Jesus: Senhor, lembre-se de mim quando entrares no teu reino (Lc 23.42).
Ao pedir que Jesus se lembrasse dele quando entrasse no Reino, obviamente o ladrão estava seguro sobre um Reino no qual Jesus em breve se encontraria.

Ora, se ele sabia algo a respeito desse Reino é porque tinha ouvido falado dele na cadeia, ou antes mesmo de chegar lá, já que enquanto esteve pregado na cruz não teve tempo para isto.

A mensagem sobre o Reino de Deus poderia ter chegado ao seu conhecimento através de três fontes distintas, a saber, dos profetas do Antigo Testamento se leu as escrituras; dos lábios de João Batista que pregou naquelas cercanias ou do próprio Jesus, que sempre ocupou desta mensagem.

Quer os profetas, quer João Batista, quer Jesus todos se ocuparam da mensagem do Reino que estava por vir, não se preocupando em prometer ruas de ouro, transformar homens em anjos ou garantir  mansão celestival para aqueles que os ouviam.


Afinal, o  que o evangelho por  Jesus anunciado propunha era tornar os salvos participantes do Reino eterno de Deus.
Por isto o pedido do ladrão foi que Jesus se lembrasse dele quando entrasse no Reino.
Em vários registros dos evangelistas a ênfase deles é que Jesus pregava o evangelho do reino:
E percorria Jesus toda a Galiléia, ensinando nas suas sinagogas e pregando o evangelho do reino, e curando todas as enfermidades e moléstias entre o povo. Mateus 4:23
E percorria Jesus todas as cidades e aldeias, ensinando nas sinagogas deles, e pregando o evangelho do reino, e curando todas as enfermidades e moléstias entre o povo. Mateus 9:35
E aconteceu, depois disto, que andava de cidade em cidade, e de aldeia em aldeia, pregando e anunciando o evangelho do reino de Deus; e os doze iam com ele, Lucas 8:1
E este evangelho do reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as nações, e então virá o fim. Mateus 24:14
E, depois que João foi entregue à prisão, veio Jesus para a Galiléia, pregando o evangelho do reino de Deus, Marcos 1:14
Ele, porém, lhes disse: Também é necessário que eu anuncie a outras cidades o evangelho do reino de Deus; porque para isso fui enviado. Lucas 4:43
A lei e os profetas duraram até João; desde então é anunciado o reino de Deus, e todo o homem emprega força para entrar nele. Lucas 16:16
A propósito, a Nicodemos Jesus disse que ele precisava nascer de novo não para ir para o céu andar em ruas de ouro, virar anjo e voar ou para morar em mansão celestial, mas para que visse e entrasse no Reino de Deus, conforme está escrito : Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus (Jo 3.3)
Portanto, quem foi evangelizado por outro evangelho sob promessas vãs, o melhor a fazer é se deixar evangelizar pelo evangelho verdadeiro, a saber, aquele que salvou o ladrão da cruz, o qual consiste em transportar pessoas do império das trevas para o reino do seu Filho do seu amor (Cl 1.13).
Deste modo, ao invés de pedir coisas absurdas e cantar sonhos irrealizáveis, o crente deve glorificar a Cristo por ter lhe dado o direito de ser participante do Seu Reino, o qual por Ele foi inaugurado ao tempo de Sua ressurreição, e será plena e totalmente implantado na terra quando do Seu retorno.

Diante disto, orar como Jesus ensinou, ou seja, venha o teu reino é, pois, a melhor coisa a fazer.
Lutero de Paiva Pereira