segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

"ALIMENTE AS MINHAS OVELHAS"


Numa cidade grande aqui do Brasil uma cena de rua me chamou a atenção. Em cima de uma carroça cheia de lixo para reciclagem o carroceiro chicoteava seu cavalo para ir em frente. O animal magro e bem debilitado quase não respondia aos açoites embora sentisse suas dores.
Bem de perto dava para ver que as cicatrizes e feridas abertas no seu lombo denunciavam que vinha sendo surrado há muito tempo impiedosamente pelo seu dono. E porque o cavalo não reagia às duras chicotadas recebidas caminhando mais rapidamente? Era porque era insensível? Era porque não lhe doía o coro? Era porque já tinha se acostumado com tudo aquilo? A resposta é não. Ele simplesmente não reagia ao espancamento porque não tinha forças físicas para tanto. Enfraquecido ao extremo não conseguia fazer o que seu dono lhe impunha realizar.
A julgar por sua aparência esquelética era de se concluir que ele não estava sendo alimentado corretamente desde muito tempo, embora fizesse um serviço que só um animal bem nutrido era capaz de realizar.
Deixando esta cena não tão incomum da vida urbana hoje, vamos à Escritura Sagrada.
Prestes à sua ascensão aos céus, enquanto conversava com os discípulos, Jesus pergunta a Pedro: Simão, filho de João, amas-me mais do que estes outros?
À resposta positiva do discípulo o Senhor lhe diz: apascenta os meus cordeiros (Jo 21.15).
Apascentar quer dizer levar ao pasto ou pastagem, isto é, tratar ou alimentar corretamente.
Se Pedro amava a Jesus como dizia, a prova desse seu amor deveria ser dada na forma como alimentaria aqueles que pertenciam a Cristo, que no verso são chamados de cordeiros.
Este quadro nos remete a função do ministério pastoral, que deve ser exercido por aquele que ama a Cristo, amando aqueles que Cristo ama.
Este amor implica em cuidar do “rebanho” do Senhor, alimentando-o corretamente com a Palavra, de modo que todos possam ser nutridos espiritualmente com a verdade e fortalecidos para responder ao seu próprio chamado.
No entanto, a realidade atual não parece ser esta. Em muitas igrejas o ministério pastoral não tem sido exercitado como Jesus disse a Pedro que deveria fazê-lo, ou seja, alimentando bem as ovelhas. Pelo contrário, a figura do pastor mais se assemelha a do carroceiro, que tendo nas mãos um “chicote” bem longo a cada domingo “chicoteia” os cordeiros, abrindo “feridas” fundas em suas almas, sobrecarregando-os com fardos de cobranças que vêm de uma pregação nem sempre autorizada pela Escritura.
Os crentes estão exaustos, debilitados, fracos, sem ânimo e força para caminhar, pois há muito não sabem o que é “saborear” da agradável Palavra da verdade.
Seria melhor que o púlpito visasse mais o “estômago” do que o “lombo” dos que estão a sua frente, pois é daquele e não deste que vem a força para se caminhar.
Porque estão neste estado de debilidade os crentes sentem as dores do “chicote”, da cobrança, do juízo que vem do púlpito, mas não conseguem responder aos seus apelos porque suas forças estão próximas de zero.
O salmista dizia que o Senhor era o pastor dele e estando debaixo de Sua condução nada lhe faltava, inclusive a boa alimentação, pois segundo seu pastor o conduzia a pastos verdejantes (Sal 23.2).
Já é tempo do “chicoteador” ceder espaço no púlpito para o pastor, e o relho ser abandonado em favor do alimento, de modo que as ovelhas tenham a vitalidade e a saúde que Cristo, o verdadeiro alimento da alma pode lhes oferecer.
Uma vez bem nutridos os crentes açoitados terão suas “feridas” saradas para seguirem com disposição de mente e alegria de coração em direção ao alvo de sua soberana vocação, e os que forem bem pastoreados não necessitarão de “chicote” para fazê-lo andar em direção a Cristo.
Alimente, pois, os meus cordeiros, eis a ordem do Senhor da igreja.
Lutero de Paiva Pereira

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

ÔNIBUS DA GRAÇA


Dignidade é o conjunto dos valores que uma pessoa possui, os quais norteiam seu comportamento e apontam para sua reputação. É em razão de sua dignidade que uma pessoa merece ser tratada positivamente, sendo honrada ou, negativamente, não o sendo.
No capítulo 8, do evangelho de Mateus vemos relatado o encontro de certo centurião da guarda romana com Jesus, quando a questão da dignidade toma destaque na conversa.
Com seu criado passando por grande sofrimento, o centurião que já havia procurado solução noutras fontes vê em Jesus uma possibilidade de cura.
Este encontro acontece na cidade de Cafarnaum onde o centurião mora. Tão logo ele se encontra com Jesus a notícia lhe é dada: Senhor, o meu criado jaz em casa, paralítico, e violentamente atormentado (v.6).
Com tal informação ele espera que Jesus lhe traga socorro.
E qual não é seu espanto quando imediatamente Jesus se dispõe a ir a sua casa para o curar o rapaz: Eu irei, e lhe darei saúde (v.7).
Surpreso com a prontidão de Jesus um sentimento estranho toma conta daquele homem. Ele, então, replica: Senhor, não sou digno de que entres em minha casa (v.8).
Mesmo precisando da ajuda que Jesus lhe oferece, o centurião se sente indigno ou desprovido de valores suficientes para receber em sua casa essa  pessoa tão importante, do qual certamente já tinha ouvido falar muitas vezes em razão dos seus nobres feitos.
Se fosse outra pessoa que se prontificasse a ir lá  para curar seu criado, o centurião não se sentiria indigno de recebê-la. Porém, ao se tratar da visita do Filho de Deus tudo para ele era diferente.
O centurião reage dizendo que não é digno de Jesus ir e entrar em sua casa, não porque sua casa fosse humilde ou simples demais para receber alguém assim. Na verdade, a indignidade que ele vê para receber tal visita está nele mesmo e não no lugar onde mora.
Com efeito, ainda que possuísse a melhor casa de Cafarnaum, a casa mais destacada da cidade, mesmo assim o centurião continuaria a achar-se indigno de receber aquele que era o Verbo que se fez carne, e que habitou entre nós cheio de graça e de verdade (Jo 1.14).
Esta era a identidade real de Jesus – O Verbo eterno. Ou seja, Jesus era Deus. E porque Ele era Deus é que o centurião viu-se indigno de recebê-Lo em casa.
Logicamente que a indignidade que o centurião via em si para receber Jesus tinha a ver com a dignidade que ele via em Jesus, de modo que comparando-se com Ele não havia porque aquele homem não se sentir assim tão desprovido de valores em face da visita anunciada.
Eis um quadro bastante interessante. Jesus, o Deus encarnado, disposto a abençoar um homem que, no entanto, mesmo necessitado de Sua ajuda se sente indigno de que Ele  vá a sua casa para lhe oferecer o bem-estar que tanto deseja obter.
Desse episódio onde a dignidade do Filho de Deus é referência mais que suficiente para evidenciar a indignidade de um homem, é que tomamos lições para a evangelização.
Evangelizar é o ato de demonstrar aos pecadores que Deus os salva não por seus méritos pessoais, nem porque são merecedores de tal atenção divina, mas porque Deus os ama a ponto de salvá-los mesmo sendo pessoas indignas da salvação.
Afinal, ao tempo em que a pessoa conhece o evangelho, e o evangelho nada mais é do que a pessoa de Jesus Cristo, o mesmo que levou o centurião a sentir-se indigno de recebê-Lo em sua casa, é neste momento que o pecador tem clareza suficiente para ver sua indignidade de  se tornar participante do Reino de Deus. Não obstante isto, Deus graciosamente lhe ofereça tal oportunidade.
Quando o apóstolo Paulo diz que o amor de Cristo nos constrange (2 Co 5.14), com tais palavras ele quer dizer que esse amor nos incomoda ou no coloca numa situação um tanto quanto incômoda, pois ao tempo em que nos faz ver como não merecedores do amor, é no exato momento em que demonstra que somos amados por Deus.
Imerso em pecado e vivendo sob os preceitos do império das trevas todo homem está destituído de dignidade ou de valores que o faça merecer alguma ação salvadora de Deus e, no entanto, Deus o salva.
Com efeito, a Bíblia mesmo afirma que todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus (Rm 3.23), e é justamente nesta condição de destituídos da glória de Deus e que os homens são visitados por Deus através do evangelho.
Estar destituído da glória de Deus é o mesmo que estar desprovido de qualquer valor sublime, é estar zerado em termos de honradez.
Deste modo, não há mérito no homem para ser salvo, e se o é tal bênção decorre exclusivamente da bondade de Deus demonstrada em seu favor através de Jesus Cristo, ação esta que a Bíblia chama de graça.
Todo pecador que desejar se reconciliar com Deus deverá ter a mesma atitude que o filho pródigo teve quando voltou para casa, depois de ter saído de lá e passado anos longe do lar.
Ao pretender regressar em estado moral e físico deplorável, vendo-se incapacitado de melhorar seu traje e de limpar-se adequadamente de toda impureza para chegar na casa do pai com boa aparência, maltrapilho e mal cheiroso o rapaz tem a seguinte disposição no coração para dizer ao pai: Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho (Lc 15.21).
Vendo-se naquela condição rejeitável ele não via dignidade alguma em si para ser recebido pelo pai, menos ainda para ser considerado seu filho, sendo que o máximo esperava é que o pai o tratasse como um empregado.
No entanto, a história nos mostra que mesmo sendo indigno de ser recebido como filho o pai o acolhe como tal e até faz uma festa para comemorar seu retorno para casa.
Embora ninguém seja digno de ser feito filho de Deus, o evangelho do qual Paulo dizia não se envergonhar (Rm 1.16) tem o poder de transformar um homem ou uma mulher indigno em uma nova criatura, com dignidade suficiente para chamar Deus de Pai e herdar a vida eterna.
Nova criatura no sentido bíblico é a pessoa para qual as coisas antigas já passaram, eis que tudo se fez novo (2 Co 5.17).
Para o filho pródigo que foi recebido em casa pelo pai a partir daquele momento para ele as coisas antigas passaram e tudo se fez novo, inclusive um novo estilo de vida.
Mas a Bíblia tem registros também sobre pessoas que se julgavam mais santas do que as outras, as quais pensando elevadamente sobre si mesmas não viam nenhuma indignidade em seus corações. Tal era o caso dos fariseus.
Os fariseus que se achavam dignos e merecedores de algum benefício divino por suas obras ouvem de Jesus o seguinte alerta: Em verdade vos digo que os publicanos e as meretrizes entram adiante de vós no reino de Deus (Mt 21.31).
Ao colocar uma prostituta com o privilégio de entrar no reino de Deus muito antes dos fariseus, Jesus quer lhes fazer entender o poder da graça divina.
Afinal, em qualquer cultura ou sociedade a meretriz é uma pessoa sem dignidade, uma pessoa vista por todos como alguém sem valor algum, e são justamente pessoas desse nível, mulheres achadas em estado moral tão deplorável, é que entrariam no reino de Deus primeiro do que os presunçosos religiosos fariseus.

As meretrizes entrariam por primeiro no Reino não porque eram meretrizes, mas porque sendo meretrizes viam-se indignas e sem direito algum de participar do Reino. E sentindo-se assim tão indignas não relutariam um minuto sequer em agarrar-se a graça  para serem transportadas das trevas para a luz, da impureza para pureza, do pecado para a santidade.
Os fariseus, por sua vez, sentindo-se merecedores do Reino porque se julgavam bons o suficiente para dispensaram a ação da graça, não percebendo que os óculos do autoengano os fazia ver uma imagem sobre si mesmos diferente da própria realidade, relutariam em busca socorro em Cristo.
Infelizmente tais óculos têm o defeito de distorcer a imagem para a qual olhamos, de modo que olhando para nós nos vemos retos, e olhando para os outros os vemos tortos.
Ludibriados pelo conceito elevado que nutriam em seu favor os fariseus não queriam embarcar no “ônibus da graça”, o único “veículo” habilitado por Deus para transportar prostitutas e outros pecadores arrependidos para junto do Seu Reino.
A graça é esse “ônibus” da bondade divina que passa pelas ruas das cidades com suas portas abertas convidando todos para embarcar, tendo como única exigência de acesso que o passageiro apresente o “bilhete” do arrependimento.
Arrependimento consiste no fato de ver-se indigno de se tornar um cidadão celestial quando por Cristo é convidado a tomar assento ali.
Essa exigência para o “embarque” é que faz com que algumas pessoas entrem enquanto outras não, e os que se recusam a embarcar continuam a esperar por outra “condução” que leve em conta seus valores, sua dignidade e seus méritos pessoais, de modo que não precisam se arrepender de nada.
O lamentável é que quando passa a outra “condução” os que nela embarcam não têm como destino último o Reino dos céus.
Como é incrível e paradoxal pensar que o reino de Deus, sendo um reino santo, tem sido habitado primeiramente por pessoas que os homens não teriam coragem de chamar para entrar em suas próprias casas, a saber, prostitutas, ao passo que Deus as convida para viverem para sempre na Sua.
E quando o pecador subir e ao assentar-se ver ao seu lado uma pecadora totalmente desprovida de valores como, por exemplo, uma ex-prostituta, saiba que ambos, ele e ela, estão ali porque este é o “ônibus da graça” e não das obras ou dos méritos humanos.
Ao desejar ser transportado do império das trevas para o reino do Filho do seu amor (Cl 1.13), é preciso que o pecador tome o “ônibus” certo.
Assim, quando você ouvir que o “ônibus da graça” se aproxima para transportá-lo das trevas para a luz, de uma vida sem Deus para uma vida de comunhão com Ele, sua atitude deverá se assemelhar ao do centurião e dizer: Senhor, não sou digno de que entres em minha casa ou, conforme o caso, conforme disse o filho pródigo, Pai, não sou digno de ser chamado teu filho.
Se fizer assim as portas do “ônibus” lhe serão abertas, e embarcando você será transportado para o reino que  o apóstolo Paulo diz consistir em justiça, paz e alegria no Espírito Santo (14.17).
Existe um hino muito antigo cuja estrofe diz assim: não sei porque de Deus o amor a mim se revelou. Uma vez dentro do “ônibus”, já devidamente acomodado, possivelmente você cantará: não sei porque o amor de Deus a mim se manifestou, logo eu que sou totalmente indigno do seu Reino. E pensando assim as cordas do seu coração vibrarão de alegria.


Lutero de Paiva Pereira


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

QUEM HABITARÁ NO SANTO LUGAR?


No sentido natural é certo afirmar que quanto melhor a casa, mais requintada a habitação e nobre o seu morador, maiores são as restrições e exigências feitas em desfavor daqueles que, estranhos a família, desejem entrar ali.
Um nobre morando num palácio não autoriza e nem faculta a entrada do homem comum em suas dependências, pois o lugar está reservado e fechado para uso exclusivo de pessoas de distinta consideração do seu dono.
Quando Davi olha para Deus e o contempla como o Senhor da terra, aquele que a formou (Sl 24.1), o que implica em reconhecer seu poder, glória e também santidade a pergunta que lhe acode o coração é: quem subirá ao monte do Senhor, ou quem estará no seu santo lugar (v.3)?
Tendo em vista a importância dAquele que habita o monte santo Davi vai apresentar os requisitos que o homem tem que satisfazer para ter direito de chegar-se ali a encontrar-se com o Criador.
Ao se referir ao monte do Senhor e ao lugar santo, o salmista tem em mente aquele lugar na terra que Deus elegeu para ser sua morada entre os homens ao tempo do Velho Testamento.
E porque este lugar teve a distinção de ser a habitação de Deus, o acesso ali não poderia ser feito por qualquer pessoa seguindo a máxima de que no lugar onde se mora o nobre, o famoso o homem comum não tem liberdade para ir e vir a não ser cumprindo os requisitos exigidos para tanto.
Assim, o salmista começa a perguntar-se sobre as exigências que Deus faria para aquele que tivesse a intenção de visitá-Lo naquele lugar. E tendo em vista o habitante do lugar, a saber, Deus mesmo, o escritor começa a indicar os requisitos a serem satisfeitos pelo homem para subir ao monte.
Partindo do princípio que é santo o morador do monte, as exigências feitas aqueles que pretendessem subir ali seriam também santas. O visitante deveria apresentar características que indicassem para uma vida correta, um viver justo sem o que não teria direito  achegar-se ao monte, menos ainda de subir ali.
Desta forma, o salmista começa a dizer que o interessado em subir e estar no lugar santo junto de Deus deveria preencher os seguintes requisitos: primeiro, ter mãos limpas, o que aponta para atitudes que não comprometessem sua moral; segundo, que seu coração fosse puro, de modo que sua vontade mais íntima não se apresentasse de qualquer forma contrária a santidade de Deus; terceiro, que sua alma não fosse entregue a vaidade, o que quer dizer que seus sentimentos não deveriam se direcionar para uma vida fútil; quarto, que não tivesse uma língua que jurasse dolosamente, pelo contrário, fosse de falar  sempre sim, sim e não, não, e que num e noutro momento não denegrisse ninguém.
Estes requisitos não deveriam ser casuais, isto é, presentes na pessoa somente de vez em quando, muito menos somente no dia de subir ao monte, e também não seria admissível que três deles fossem satisfeitos e um não, ou 2 fossem cumpridos e 2 descumpridos. O que se nota do salmo é que os quatro requisitos deveriam estar presentes na vida da pessoa por todo o tempo.
Quem preenchesse tais requisitos estaria autorizado por Deus a subir o monte e estar junto dele no lugar santo, porque trataria de uma pessoa íntegra.
Mas a pergunta que se faz é: Existiu alguém ao tempo do salmista que preencheu todos esses  requisitos para ter direito de subir ao monte santo? Ou, modernamente falando, existe alguém que preenche todos estes requisitos todo o tempo para ter o direito de estar no lugar santo?
A resposta à luz da Escritura é não. Ou seja, nenhum homem descendente de Adão preencheu ou preenche essas exigências para estar junto de Deus.
Desta forma, o que se pode dizer é que mesmo Deus abrindo as portas de sua casa para recepcionar o homem na terra, nenhum deles pode adentrar aos  seus aposentos santos, passando os portais de justiça, porque ninguém  tem dignidade suficiente para morar em ambiente tão puro, e isto em razão de sua pecaminosidade.
Todo pecador é um homem de mãos sujas, de coração  impuro, de alma dada à vaidade e de língua cheia de dolo, e como tal desqualificado para estar na casa de Deus.
No entanto, quando Jesus Cristo vem ao mundo sua proposta salvadora é feita no sentido de qualificar o homem para “subir” ao monte e estar no “lugar santo” junto de Deus e para sempre.
E para dar ao pecador este direito Jesus Cristo morre na cruz, derrama seu sangue para “purificar de todo o pecado” aqueles que por Deus foram chamados e convidados a morarem em Sua casa, dando-lhes acesso ali.
Lembra-se da parábola do filho pródigo?  Quando o rapaz volta para casa sujo, imundo e impuro o pai o recebe mas manda dar-lhe banho e trocar as roupas porque a casa limpa do pai não comporta um filho sujo.
Isto nos ajuda a pensar na figura do monte relatada por Davi, que sendo santo porque Deus estava ali o lugar não comportava a presença do imundo.
Assim, se você pode estar com Deus e habitar com Deus, isto acontece não porque você em si mesmo tem mãos limpas, coração puro, alma não entregue a vaidade e língua não maldizente, porque você mesmo sabe que não tem.
Aliás, biblicamente falando você é considerado ímpio, impuro e homem de lábios e de coração enganoso e nesta condição impedido de ter acesso ao monte santo.
E se você não se ve como impuro  sua situação é ainda pior, pois neste caso seus olhos são tão impuros que eles não conseguem ver impureza em você mesmo, o que diante da justiça de Deus é algo terrível.
Mas o fato de você não ver impureza em você não significa que você esteja limpo, menos ainda que Deus não a veja.
No entanto, ao crer em Jesus, ao recebê-lo como Salvador e confessá-Lo como Senhor você foi feito uma nova criatura, uma criação diferente daquela que você sempre foi, tornando-se filho de Deus, e como tal puro e santo aos olhos do Senhor. E porque você recebeu esta nova condição de vida pela fé em Cristo você, aí sim, está autorizado a entrar na casa de Deus e a habitar ali para sempre, como escreveu o salmista: e habitarei na casa do Senhor para todo o sempre (Sl 23.6).
Se a mesma pergunta do salmista fosse feita nestes dias: quem habitará na casa do Senhor? tendo em conta a santidade de Deus, olhando para si mesmo e vendo sua impureza pessoal você teria que responder: “eu não posso porque não sou um homem de mãos limpas, nem de coração puro, menos ainda de alma não entregue a vaidade, quiçá de língua não maldizente.”
Mas, tendo em conta o que a graça de Jesus Cristo fez em seu favor quando te regenerou, você pode responder com alegria e coração quebrantado de outra forma: “sim Senhor, eu posso morar porque Tu mesmo me tens chamado e purificado.”
Que glorioso foi o dia em que você foi lavado por Deus como está na Escritura:
mas haveis sido lavados, mas haveis sido santificados, mas haveis sido justificados em nome do Senhor Jesus, e pelo Espírito do nosso Deus (1 Co 6.11).

Assim, Deus não só abriu as portas de Sua casa na terra como enviou Jesus Cristo para qualificar você para entrar  ali e é por causa de Cristo e de Sua obra que você pode se considerar um morador eterno do tabernáculo santo.
Lutero de Paiva Pereira

DEUS OPERA EM VÓS O QUERER


A salvação tem efeitos presentes e futuro. É das questões temporais da salvação que Paulo se ocupa, por exemplo, quando escreve aos filipenses sobre o seu  desenvolvimento: De sorte que, meus amados, assim como sempre obedecestes, não só na minha presença, mas muito mais agora na minha ausência, desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor (Fp 2.12).
Desenvolver a salvação implica na disposição do crente de se dedicar aos preceitos de Deus para viver cada dias mais retamente num mundo totalmente contrário a Deus, mesmo no tempo em que ainda possui uma natureza pecaminosa que se levanta contra Deus fazendo-Lhe oposição.
É certo que para viver retamente é preciso que o crente envolva sua vontade e esforço no processo de santificação, mesmo porque ninguém desenvolverá a salvação sem que a tanto se dedique.
Para tanto, lutar contra os impulsos de sua própria carne e contra as propostas do mundo que deseja sua amizade é a vida “tranquila” de quem deseja amar a Deus sobre todas as coisas.

Paulo foi um exemplo de cristão que se esforçou na luta pessoal contra o mal que habitava nele, pois tinha consciência de que em sua carne não habita bem nenhum (Rm 7.20), e que querer fazer o bem estava nele mas não a capacidade de efetuá-lo(Rm 7.18).

Tanto é assim que ele diz que esmurra seu próprio corpo (I Co 9.27) para não ser desclassificado, o que demonstra o esforço pessoal de lutar a luta de se consagrar a Deus.
Quando Paulo diz que esmurra seu corpo ele se utiliza de uma metáfora para demonstrar sua batalha pessoal contra a força do pecado, pois sabe bem que sua carne não só não era convertida a Cristo como também fazia oposição ao Seu senhorio.
E ao falar em esmurrar o próprio corpo o apóstolo  demonstra que é ele quem faz isto e não Deus, ou seja, não é Deus quem esmurra o corpo de Paulo mas o próprio Paulo que assim  se dedica porque deseja santificar-se ao Senhor.

Deste modo, um crente que deseja desenvolver sua salvação terá que empenhar sua vontade e disposição pessoais para observar os preceitos de Deus e se encaminhar na direção de um viver reto.

Se não fosse assim, se não houvesse o envolvimento pessoal da vontade do salvo em viver verdadeiramente como salvo Jesus não teria dito: Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me (Mt 16.24).

O renunciar-se, o tomar a cruz e o seguir a Cristo envolve uma decisão pessoal que não pode ser substituída pela vontade de qualquer outra pessoa, inclusive pela de Deus mesmo.

Voltando a carta aos Filipenses agora no verso 13, o apóstolo escreve: Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade.

Este verso, na forma como apresentado em muitas versões tem causado discussões sobre a atuação de Deus na vida do crente.

Muitos pensam que a partir deste verso o apóstolo está dizendo que é Deus quem põe um querer no crente, querer este que é segundo a Sua vontade, de modo a dar a ideia de que a vontade do crente é totalmente aniquilada a partir de então.

No entanto, em primeiro lugar é preciso dizer que o verso 13 está intimamente ligado ao verso precedente, o qual tem a ver com o operar de Deus nos crentes, mas daqueles que estão querendo ou dispostos a desenvolver sua salvação.

Em segundo lugar, se Deus opera nos crentes, como dizem alguns, colocando neles uma vontade  que não seja a deles mesmo mas a de Deus, isto  quer dizer que há  crentes que  não têm de empenhar sua vontade humana e pessoal no processo de viverem retamente, porque a vontade de Deus neles colocadas para este fim por si só se incumbe disto.

Em terceiro lugar, se Deus é quem coloca Sua vontade nos crentes para eles quererem o que Deus quer, isto quer dizer que se os crentes não têm querido o que Deus quer é porque Deus não colocou neles uma vontade nestes termos, e sendo assim a culpa deles não quererem Deus seria em último caso de Deus mesmo, que não colocou neles tal vontade.

O que tem levado a entendimentos desta natureza é que a  tradução nem sempre  faz jus ao escrito original, pois na forma como Paulo escreveu  a melhor leitura do verso 13 teria que ser feita nos seguintes termos: Deus é que dinamiza em vós o querer, como também dinamiza em vós a disposição de viver retamente.
Dinamizar traz a ideia de fortalecer, de vitaminar, de sustentar, de dar poder, o que significa dizer que Deus fortalece a vontade pessoal do crente que se dispõe a desenvolver sua salvação.
Desenvolver a salvação requer  dedicação, ação e esforço pessoal do crente de lutar contra a lei do pecado que habita em sua carne; desenvolver a salvação  envolve a disposição do crente de não se fazer amigo do mundo para não se constituir em inimigo de Deus e, finalmente, desenvolver a salvação requer vigilância contra as astutas ciladas do inimigo para que nenhum laço prenda os pés em  armadilha alguma.
Como tudo isto requer um esforço sobre-humano o crente necessita contar com a dinamização ou com a “vitaminização” da sua vontade com o poder que procede de Deus, através do Espírito Santo, o qual lhe é conferido graciosamente pelo Senhor, para que sua vontade não se esmoreça e ele perca o ânimo na caminhada.

Assim, pensar que o verso 13, conforme o entendimento comum, é que Deus faz o crente querer , de modo que se ele não quer é porque Deus não operou nele o desejo de querer, não faz jus ao escrito e em última análise culpa Deus por eventual ausência de vontade do crente de desenvolver sua salvação, o que é um absurdo.
Portanto, a melhor leitura dos versos 12 e 13 é que o crente que desejar desenvolver sua salvação poderá contar com a disposição de Deus de ajudá-lo neste processo, ajuda esta que consiste em lhe dar poder para que sua vontade pessoal de viver retamente seja capacitada pelo poder do alto.
Da conjugação da vontade pessoal do crente com a dinamização que procede de Deus é que a vitória contra o pecado, contra o mundo e o inimigo será assegurada.
Portanto, Deus operar em você o querer não é Deus fazendo você querer, mas sim, Deus fortalecendo o seu querer pessoal de viver para Ele.

Portanto, queira Deus e Sua glória e você contará com Deus e Seu poder para viver para Ele.
Lutero de Paiva Pereira

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

O CRENTE E A BÍBLIA

Existem cidades que ficaram tão marcadas pela grandiosidade e beleza de certas obras e paisagens, que passear por elas sem ir aos pontos turísticos de fama mundial é perder o melhor que elas oferecem.
Ir a Roma e não conhecer nem o Vaticano nem o Coliseu, a Paris e não visitar o Arco do Triunfo e a torre Eiffel, ao Rio de Janeiro e não chegar ao Pão de Açúcar e ao Cristo Redentor é coisa que o turista não pode fazer.
A Bíblia, mudando o que deve ser mudado, também é assim. Embora tenha muitas coisas boas a oferecer aos homens, a mais essencial delas, e de onde decorrem todas as outras, é dar a conhecer a pessoa e a obra de Jesus Cristo, de modo que quem dela faz uso não pode deixar de concentrar sua atenção e estudo na direção do Salvador.
A leitura da Escritura Sagrada deve ser feita sempre o propósito de conhecer a Cristo, da mesma forma que um turista cuidadoso programa sua viagem reservando espaço para visitar os pontos principais do seu destino de viagem.
Afinal, leitura boa e agradável é aquela que prende a atenção do leitor e o deixa maravilhado com o texto, o que a Bíblia faz com aqueles que a lêem olhando por centro de sua escrita que é Cristo.
Maravilhamento é o estado de alma que toma conta da pessoa quando contempla algo belo ou grandioso que atraindo sua atenção imprime na alma uma reação de contemplação incansável. A maravilha ou o esplendor de um objeto, obra de arte, evento ou paisagem é coisa que não se transmite por palavras, pois somente pela contemplação pessoal é que se pode captar.
Portanto, se alguém quer maravilhar-se com algo ou com alguma coisa é preciso dedicar tempo para contemplá-lo pessoalmente.
A Bíblia, livro escrito em linguagem humana para comunicar verdades divinas essenciais ao homem, está repleta de maravilhas capaz de impressionar os que a estudam.
No entanto, conforme já observou a teologia um dos efeitos sérios do pecado no homem foi danificar sua mente retirando dela a capacidade de ver ou de compreender, sozinha, as questões de ordem espiritual que decorrem do texto Sagrado.
Em função disto, pretender o leitor esmiuçar a Escritura somente com o intelecto ou com a racionalidade é não alcançar o que ela tem de melhor, gerando mais cansaço do que prazer quando com ela mantém contato.
Para que o leitor se maravilhe com a Bíblia a compreensão de sua mensagem requer mais que dedicada leitura e capacidade intelectual de observar seus termos. É preciso, acima de tudo, a ação do Espírito Santo no coração para que as suas belezas sejam desvendadas para contemplação.
No caso das Escrituras Sagradas se pode dizer que as palavras são como caminhões furgão a transportar valores espirituais que o Espírito Santo precisa ajudar o leitor a ver o que dentro dele está contido, sob pena da pessoa enxergar a carroceria e não a carga que vai sendo levada.
Dotado de mente que compreende bem as coisas naturais e desenvolve de forma invejável a ciência, o homem não tem essa faculdade qualificada para compreender Deus e sua vontade, sendo, então, dependente de Deus para compreender o próprio Deus.
Sob este aspecto podemos olhar para o Salmo 119 e aprender com o salmista sobre como se posicionar diante da Escritura para poder compreendê-la bem.
No verso 18 vemos a seguinte oração do salmista: Desvenda os meus olhos para que eu veja as maravilhas da tua lei, e tal pedido contém lições para uma atitude correta frente ao texto sagrado.
1º. -  Em primeiro lugar se observa que o salmista muito embora tivesse a Lei de Deus literal e fisicamente diante de si para leitura, isto não lhe assegurava o privilégio de ver as maravilhas nela contidas. Tanto é verdade que ele pede a Deus para lhe dar o privilégio de ver as suas maravilhas.
Isto quer dizer que ter a Lei ao alcance das mãos não significa que automática e espontaneamente a mente do leitor será capaz de ver as maravilhas do que ela trata. Para ir da letra ao conhecimento de suas maravilhas é preciso contar com a ajuda de Deus.
Ver as maravilhas da Lei era o alvo do salmista que não se contentava com o simples fato de ser seu leitor assíduo. É fato que para conhecer as maravilhas da Lei o salmista tinha que primeiramente conhecer a Lei, mas conhecer a Lei não era suficiente para o conhecimento de suas maravilhas.
Assim, observa-se desta atitude do salmista que conhecer as maravilhas da Lei é algo maior e mais profundo que conhecer a própria Lei, de modo que alcançá-las requer mais do que habitualidade com ela, é preciso a ajuda de Deus.
Para tanto o salmista ora pedindo o conhecimento das maravilhas da Lei: Desvenda os meus olhos para que eu veja as maravilhas da tua lei.
2º. - Em segundo lugar o salmista estava certo de que mesmo não vendo as maravilhas da Lei naquele momento, elas existiam para serem vistas. Afinal, se a Lei não contivesse maravilhas para serem vistas sua oração não teria sentido algum em ser feita neste sentido – que eu vejas as maravilhas da tua Lei.
Por certo o raciocínio lógico desenvolvido pelo salmista para afirmar que existem maravilhas na Lei quando ele nem mesmo as tinha visto é que se a Lei procedia de Deus, do Deus que opera maravilhas, e que assim sua Lei deveria também conter maravilhas.
Se Deus, o autor da Lei, opera maravilhas a Lei que dele emanada não poderia deixar de estar saturada de coisas admiráveis para serem conhecidas.
O salmista Asafe escreveu: Tu és o Deus que fazes maravilhas (Sl 77.14).
É interessante notar que o salmista ora para que Deus lhe dê o privilégio de ver as maravilhas presentes na Lei, ao invés de suplicar que Deus faça maravilhas para ele contemplar.
Por isto seu pedido é feito tendo como alvo ver as maravilhas já presentes na Lei: Desvenda os meus olhos para que eu veja as maravilhas da tua Lei.
Existe enorme diferença entre pedir para Deus fazer maravilhas e pedir a Deus para ver as maravilhas que Ele já fez.
3º. Em terceiro lugar o salmista demonstra um interesse pessoal por ver as maravilhas de Deus presentes em sua Lei, o que está muito acima do interesse de ser somente um leitor diário dela.
Ao pedir a Deus: desvenda os meus olhos para que eu veja as maravilhas da tua lei o salmista revela o intento pessoal do seu coração de maravilhar-se com Deus e sua Lei.
Ao dizer-se interessado em ver as maravilhas da Lei o salmista fala que seu coração está insatisfeito e incompleto com o texto somente, almejando ir ao que ele oferece de melhor.
Este inconformismo é saudável pois mostra o interesse de alguém que quer ver além daquilo que o homem vê, para chegar ao que Deus mesmo pode conceder.
Quem vê conforme Deus permite vê mais longe e melhor.
A oração do salmista revela seu interesse pessoal: Desvenda os meus olhos para que eu veja as maravilhas da tua lei.
Ver o que a Lei contém por dentro é mais espetacular do que ver somente o que ela apresenta por fora.
4º. Em quarto lugar o salmista sabe que seus olhos são incapazes de ver as maravilhas presentes na Lei embora fossem habilitados para ver a Lei e os seus escritos.
 Essa incapacidade presente nos olhos para ver as maravilhas de Deus em Sua Lei é de ordem espiritual, pois na condição de pecador a mente humana foi danificada pelo pecado tornando-se incapaz de ver as coisas chamadas sobrenaturais contidas nas Escrituras.
Possuindo olhos vendados pelo pecado o salmista suplica a Deus para que Ele o livre deste obstáculo e veja o maravilhoso da Lei.
O salmista está certo de que a venda está nos seus olhos e não na Lei, já que todo escrito por Deus não tem escuridão alguma que dificulte sua compreensão.
Sua oração é, portanto, um pedido de socorro para que Deus opere um milagre em seus olhos: Desvenda os meus olhos para que eu veja as maravilhas da tua lei.
A Lei somente se torna maravilhosa ao leitor na medida em que ele é capaz de contemplar as maravilhas que ela carrega.
5º. Em quinto lugar o salmista sabia que Deus, e somente Deus, é quem podia desvendar ou tirar dos seus olhos a venda que o impedia de ver as maravilhas da Lei.
 Somente Deus e não a religião nem a ciência podiam fazer alguma coisa em seus olhos que lhe desse a capacidade de ver, de modo que sua busca de cura é feita na fonte correta.
Assim, sua oração ou pedido é direcionado ao próprio Autor da Lei: Desvenda (SENHOR) os meus olhos para que eu veja as maravilhas da tua Lei.
O embaçamento que o pecado causou nos olhos humanos somente a ação de Deus é capaz de remover e quem O busca para esta solução terá uma visão apropriada para ver o invisível.
Estas cinco atitudes do salmista revelam uma pessoa disposta, confiante, humilde e desejosa de ir mais, de prosseguir em sua jornada sabendo que Deus tinha muito mais a oferecer através da Lei aos seus leitores do que de início eles mesmos podiam perceber.
Seu inconformismo de não se satisfazer somente com a leitura do texto; seu anseio de querer ver as maravilhas da Lei; o sadio desejo de ter seus olhos desvendados por Deus; o santo propósito de querer mais da Lei e a gloriosa expectativa de ver as suas maravilhas postas ao se alcancem movimentavam esse homem em boa direção.
Não há dúvida de que o salmista é um bom exemplo a ser seguido pelos crentes que desejam ver as maravilhas de Deus contidas em sua Palavra.
Desta forma, seguir seus passos e orientar-se por suas atitudes pode representar uma experiência maravilhosa de descobrir coisas espetaculares que somente a Bíblia é capaz de oferecer.
Assim:
1º. Em primeiro lugar o crente deve saber que conhecer a Bíblia não indica e nem lhe assegura ver as maravilhas que ela contém, de modo que decorar seus textos, conhecer suas histórias e até mesmo suas doutrinas ficam muito aquém da experiência desejada pelo salmista de ver suas maravilhas.
Sendo assim, contentar-se em conhecer a Bíblia sem desejar ir até o ponto de ver as maravilhas das quais ela trata é ficar muito aquém do propósito para o qual ela foi escrita.
O maior desejo do crente, portanto, deve ser o de ver as maravilhas da Palavra de Deus, e por isto sua postura diante dela não pode diferir da adotada pelo salmista que se interessava em ir além da letra para chegar ao seu conteúdo mais especial.
Certa vez Jesus repreendeu os fariseus pelo fato deles examinarem a Escritura sempre sem, contudo, se importarem de por intermédio delas irem a Ele para terem vida.
Com tais palavras Jesus informava que o exame escriturístico não tinha um fim em si mesmo, mas se apresentava como um meio de levar o estudioso a um bem maior a ser conhecido.
Assim, a oração do crente deve ser: Senhor, desvenda os meus olhos para que eu veja as maravilhas da tua palavra.
2º. Em segundo lugar o crente deve considerar que existem maravilhas na Bíblia que estão a sua disposição para conhecimento e deleite, de modo que ela se mostra como um livro que não se esgota com sua leitura, como é próprio de todos os demais livros. E não se esgota porque ela traz maravilhas a serem conhecidas constante e progressivamente pelos que tem seus olhos abertos para esta realidade. Sendo um livro inspirado pelo Espírito Santo esta inspiração traz mais coisas que as palavras podem comunicar, razão pela qual o próprio Espírito é indispensável para o processo do crente de ver para além das palavras.
Conhecer a verdade que liberta é muito mais que ler sobre a verdade que a Bíblia anuncia, e só a verdade efetivamente conhecida é que realmente liberta: conhecereis a verdade e a verdade vos libertará (Jo 8.32). E para se conhecer a verdade mais que leitura sobre ela é preciso vê-la por meio da iluminação do Espírito na mente do leitor.
Assim, antes de ficar pedindo que Deus faça maravilhas para ele ver o crente deve dirigir sua oração ao Senhor suplicando pela experiência de ver as maravilhas que já se encontram presentes na Sua Palavra, o que é muito mais interessante.
Por isto a oração constante deve levar em conta a Palavra escrita: Senhor desvenda os meus olhos para que eu veja as maravilhas da tua Palavra.
3º. Em terceiro lugar o crente não pode esquecer que a experiência de ver as maravilhas da Bíblia é assegurada àqueles que desejam ver e não somente àqueles que fazem dela um livro de leitura meramente obrigatória ou descompromissada.
O crente que faz uso da Bíblia nestes termos nunca chegará a maravilhar-se com a beleza que ela tem, de modo que sua vida espiritual será sempre pobre e sem progresso.
O salmista tinha interesse pessoal não só na leitura da Lei como no conhecimento de suas maravilhas, e isto deve ser o objetivo de cada pessoa que passou pela experiência do novo nascimento quando tem a Bíblia em suas mãos.
Daí buscar inspiração no salmista para orar desejando ser alguém assim é muito importante: Senhor desvenda os meus olhos para que eu veja as maravilhas da tua Palavra.
4º. Em quarto lugar os olhos do crente, que não são diferentes dos olhos do salmista, também estão vendados para ver além do que está escrito na Escritura. Neste caso é preciso buscar socorro em Deus para ter a capacidade de compreender posta bem acima do nível natural.
Quando fala da possibilidade do crente de compreender a vontade de Deus que boa, perfeita e agradável o apóstolo Paulo escreve que a condição para isto experimentar é ser transformado pela renovação da mente (Rm 12.1), numa demonstração clara de quem sem a renovação da mente o homem não poderá encontrar na Palavra de Deus a vontade boa, perfeita e agradável que Ele já manifestou em Cristo Jesus.
A mente do crente precisa de constante transformação para que alcance cada dia mais o poder de compreender as belezas espirituais da Escritura. Enquanto seu progresso mental caminha neste sentido sua oração deve buscar em Deus os meios adequados para esta renovação: Desvenda os meus olhos para que eu veja as maravilhas da tua Palavra.
Conclusão
É preciso que o crente saiba, desde logo, que a grande maravilha da Bíblia consiste em revelar Jesus Cristo aos homens. O significado de revelar é de tirar a cobertura ou tirar o telhado para que se possa ver bem o que está dentro da casa.
Assim, quando o Espírito Santo ilumina os olhos do crente ele vê nas Escrituras a pessoa e a obra de Cristo, e isto lhe traz a experiência de maravilhar-se com  tal conhecimento.
Portanto, ler a Escritura sem ver Cristo é tornar este livro maravilhoso de leitura comum e sem brilho, o que ele não é;
Ler a Bíblia por obrigação sem fazer dela um meio para ver e conhecer a Cristo é fazer da prática devocional um momento de mero desencargo de consciência;
Ler a Bíblia sem depender do Espírito Santo para iluminar os olhos, supondo que há capacidade em si mesmo de conhecer o mistério de Cristo é prova de que realmente não sabe nada a respeito de Sua grandeza.
Não deve o crente continuar imerso em sua pobreza espiritual, quando a Bíblia está posta ao seu alcance para enriquecimento da alma através do conhecimento de Cristo no qual estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento (Cl 2.3)
Motivado por tão nobre desejo a oração do crente deve conter sempre as palavras do salmista: Senhor desvenda os meus olhos para que eu possa ver as maravilhas da Tua Lei.
Naturalmente falando não é espetacular conhecer algo maravilhoso? Não faz bem a alma ver coisas que causam contentamento e boa impressão? Muitas viagens não se tornam marcantes por terem levado as pessoas a lugares que lhes causaram grande impacto e admiração?
Tanto melhor será a “viagem” proposta pela Bíblia que leva o leitor a maravilhar-se ao ver a obra e a pessoa de Cristo Jesus, experiência que impacta a mente e o coração de forma muito melhor.
Uma pessoa que vê o Cristo revelado na Escritura e a obra por Ele realizada, nunca mais será a mesma em contentamento pessoal e gratidão a Deus.
Lutero de Paiva Pereira

CRENTE DESIDRATADO


                                                       
Uma pessoa pode fazer greve de fome passando 5, 10, 15 ou mais dias sem comer mas não pode se privar da água por períodos assim tão longos, pois como 70% do corpo humano é água ninguém consegue sobreviver por muito tempo sem ingerir líquido.
A máxima é que se pode ficar até 3 minutos sem respirar, 3 dias sem tomar água e 3 semanas sem se alimentar.
O sedento é alguém em desespero cuja necessidade de água deve ser satisfeita no tempo certo sob risco de desidratação. A desidratação  ocorre quando o corpo humano não tem água suficiente para realizar suas funções normais, e no seu estado GRAVE  ela tem, dentre outros, os seguintes sintomas: queda da pressão arterial, sensação de perda de consciência iminente, estupor, hipertermia, convulsões, choque e até a morte.
Quando o salmista quis expressar seu desejo intenso de encontrar-se com Deus ele fez analogia com a sede dizendo: a minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo (Sl 42.2).
Falando com a mulher samaritana Jesus disse: todo aquele que beber desta água tornará a ter sede mas aquele que beber da água que eu lhe der, nunca mais terá sede (Jo 4.13.14).
Neste relato são identificados dois tipos de sede, dois tipos de água e dois lugares diferentes de encontrar cada uma delas.
De um lado, a água no sentido literal que é retirada do poço para saciar a sede física. De outro lado, a água no sentido figurado, que somente Jesus  pode oferecer para satisfazer a sede da alma.
Não é pequeno o número de crentes que podem ser identificados como espiritualmente sedentos, os quais procurando satisfazer sua sede espiritual com água que não tem a propriedade adequada para isto já dão sintomas de desidratação espiritual.
Sobre este enfoque vemos o profeta alertando o povo de Israel: Porque dois males cometeu o meu povo: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas (Jr 2.13).
Israel saciava sua sede agora não mais com as águas de Deus, mas com as águas do Egito e da Assíria, representativas de lugares que apontavam para uma realidade distante do Senhor.
Deixando Deus, o manancial de águas vivas o povo se volta na busca de cisternas  que não tinham como reter águas, e  o texto diz que o povo virou as costas e não o rosto para Deus (v.27).
Cisternas cavadas foi a forma de Israel se distanciar do manancial de águas vivas, trocando a graça que traz água viva pelo esforço de buscar que não satisfaz.
Pensemos, a luz do texto, algumas lições que são úteis para examinarmos nossa própria história.
Quando nos convertemos a Cristo ou tivemos nossa experiência de salvação, naquele tempo o amor de Deus por nós isto fez brotar no coração nosso amor por Deus.
Todos quantos foram salvos lembram-se da época em que o coração passou a amar a Deus, coisa que antes não fazia parte dos seus sentimentos.
Porque você passou a amar a Deus quis se consagrar a Ele e, então, consagrado a Deus, desfrutou do manancial de águas vivas que é Cristo, o qual saciava sua sede espiritual plenamente.
No entanto, é possível que seu amor por Deus tenha diminuído, esfriado ou desaparecido por completo, e mesmo sabendo que Deus te ama você já não mais tem certeza de que ama a Deus.
 Porque você deixou de amar a Deus, dEle também se afastou e sua consagração, certamente, acabou.
 Agora você está dedicado a muitas coisas, até mesmo as coisas da igreja, mas não a Cristo.
Cristo Jesus já não é parte do seu projeto de vida como foi no início de sua carreira.
Nesta condição é possível que foi tenha ido buscar  água em cisternas rotas que não podem reter a água.
 E bebendo águas que não procedem de Cristo você foi ficou cada dia espiritualmente mais sedento a ponto de estar em processo de desidratação espiritual grave.
Quando o povo de Israel ficou desidratado, Deus perguntou: que injustiça vocês acharam em mim para deixar o manancial de águas vivas e cavar cisternas que não podem reter água?
A pergunta atual é: Que injustiça achamos em Cristo a ponto de nosso amor por Ele se esfriar, nossa consagração desaparecer e irmos buscar águas em lugares inapropriados?
Estamos com sede não porque a fonte de água viva secou, mas porque deixamos de beber dela; estamos com sede, não porque a fonte de água viva está fechada, mas porque viramos a costas para ela; estamos com sede não porque a fonte de água viva não está disponível, mas porque nós fomos beber em lugar diferente.
A exortação é deixar nossas cisternas e voltarmos para Cristo imediatamente.  
Você é um crente espiritualmente desidratado?  Se for o caso decida agora mesmo voltar-se para Cristo a fonte de água viva que sacia a sede espiritual, aceitando o convite que Ele faz nos seguintes termos: no último dia, o grande dia da festa, levantou-se Jesus e exclamou: Se alguém tem sede, venha a mim e beba. Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva. Isto ele disse com respeito ao Espírito Santo que haviam de receber os que nele cressem (Jo 7.37-39).

Lutero de Paiva Pereira